Bolsonaro encontra Salvini, da ultradireita italiana, em memorial de pracinhas da 2ª Guerra
O presidente também lembrou que cerca de 30 milhões de brasileiros têm descendência italiana
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e Matteo Salvini, líder do partido italiano de ultradireita Liga Norte, encontraram-se nesta terça-feira (2) para participar de um ato solene em homenagem aos 467 pracinhas mortos em combate durante a Segunda Guerra Mundial.
No total, 20.573 soldados brasileiros estiveram na Itália lutando contra o fascismo.
Como ocorre todos os anos, a cerimônia foi realizada no cemitério San Rocco, em frente ao monumento ao soldado desconhecido, erguido em memória dos militares brasileiros. Após a execução dos hinos nacionais, Bolsonaro depositou uma coroa de flores no monumento, e um pastor evangélico fez um breve pronunciamento. O padre dom Piero Sabadini, por sua vez, celebrou uma missa e abençoou o memorial.
Sabadini substituiu, às pressas, dom Tardelli, que todos os anos celebra a missa de homenagem e que, desta vez, cancelou sua participação por ser “abertamente contrário à instrumentalização da celebração”.
Um membro da paróquia de San Rocco, em condição de anonimato, afirmou à Folha de S.Paulo que os líderes religiosos não concordam com o encontro de Salvini e Bolsonaro, a quem chamou de ditador, na cerimônia. No dia anterior, na segunda-feira (1º), em visita à basílica de Santo Antônio, em Pádua, Bolsonaro também não foi recepcionado por nenhuma das autoridades católicas.
Durante discurso no evento, Salvini pediu desculpas ao presidente brasileiro “devido à confusão dos últimos dias”, em referência aos protestos contra Bolsonaro, nos quais a polícia chegou a usar canhões d’água para dispersar os manifestantes.
“Desculpem a polêmica de alguns que conseguem fazer divisões mesmo em um dia de lembrança, de honra, como hoje. A amizade dos nossos povos é mais forte do que a polêmica de alguns que não representam o povo italiano”, afirmou o senador.
Tanto o político italiano quanto o ministro da Defesa brasileiro, o general Walter Souza Braga Netto, que acompanha Bolsonaro em Pistoia, mencionaram em seus discursos a expressão “a cobra vai fumar”, um dos slogans da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Antes de discursar, o líder brasileiro deu a palavra a Romano Levoli, um dos últimos pracinhas ainda vivos. Sem entrar em detalhes, o ex-combatente disse que a Itália não reconheceu a sua “memória histórica”.
Já Bolsonaro disse estar emocionado. “Pela primeira vez estou em solo italiano, solo sagrado para nós. Estamos comemorando os que tombaram em luta pelo que tem de mais sagrado em nós, a liberdade”.
O presidente também lembrou que cerca de 30 milhões de brasileiros têm origem italiana -a justificativa apresentada pela prefeita de Anguillara Vêneta para conceder cidadania honorária ao presidente brasileiro.
Bolsonaro e Salvini têm muito em comum. Se, de um lado, o relatório final da CPI da Covid pediu que o presidente fosse denunciado por crimes de responsabilidade e contra a humanidade, de outro o aliado tem histórico de manifestações xenófobas e anti-imigração e responde a um processo criminal por sequestro.
Em 2019, Salvini, então ministro do Interior, negou acesso aos portos italianos a um barco da ONG Open Arms que havia resgatado 147 imigrantes no Mar Mediterrâneo, ao largo da Costa da Líbia. Durante o impasse, vários migrantes desesperados se jogaram no mar na tentativa de chegar nadando à terra firme.
A embarcação só teve permissão para atracar 19 dias depois, mas não por decisão de Salvini.
Foi necessária a intervenção do Ministério Público de Agrigento, na Sicília, que ordenou o desembarque dos migrantes. Se condenado pelo crime do qual é acusado, Salvini pode pegar até 15 anos de prisão.
Também em 2019, o líder de ultradireita se recusou a participar do Dia da Libertação da Itália, que comemora o triunfo do país sobre a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. À época, ele foi acusado de cooperar com a “normalização do fascismo”.
Questionado por jornalistas, Salvini relativizou as acusações que pesam contra Bolsonaro e disse que julgá-lo é uma atribuição da Justiça brasileira. O presidente, à semelhança do que tem feito durante todos os eventos de que participou na Itália, deixou o local sem falar com a imprensa.
De acordo com membros da Liga Norte, o encontro deveria ter acontecido em Roma, em ocasião da participação do presidente brasileiro na cúpula do G20. Mas, estrategicamente, Salvini optou por encontrá-lo em Pistoia, aproveitando a ocasião para inaugurar a sede de seu partido na cidade.
O movimento do senador é claro. Há quatro anos sob controle de líderes de centro-direita, Pistoia vai às urnas no ano que vem, e uma vitória pode ter alto valor estratégico para a Liga Norte.
A tática do político italiano, no entanto, não passou despercebida pelos moradores da cidade.
Lideranças locais, já descontentes com a visita de Bolsonaro a Pistoia, marcaram dois protestos para esta terça-feira. Um ato pela manhã aconteceu simultaneamente à cerimônia em memória dos pracinhas e reuniu cerca de 300 pessoas; outro, à tarde (por volta das 11h, no horário de Brasília), teve em torno de 900 manifestantes contrários ao presidente. Ambos os protestos ocorreram pacificamente.
Isolado internacionalmente, Bolsonaro teve uma agenda magra em sua passagem pela Itália. Além de Salvini, o presidente só encontrou oficialmente Alessandra Buoso, prefeita de Anguillara Vêneta, que o recebeu na segunda-feira para a polêmica entrega do título de cidadão honorário.
Texto: Janaína César