Bolsonaro defende Pazuello sobre reunião com intermediária e diz que ‘propina é pelado dentro da piscina’
Pazuello prometeu a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses de Coronavac
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em entrevista em São Paulo neste domingo (18) logo após ter recebido alta hospitalar, o presidente Jair Bolsonaro culpou os lobistas e disse que “lá em Brasília não falta gente tentando vender lote na lua” para defender o general Eduardo Pazuello, seu ex-ministro da Saúde.
“Quando fala em propina, é pelado dentro da piscina”, e não gravando um vídeo para anunciar a assinatura de um memorando de entendimento para a compra, afirmou o presidente.
Reportagem da Folha nesta sexta-feira revelou que, em um encontro fora da agenda, Pazuello prometeu a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac que foram formalmente oferecidas ao governo federal por quase o triplo do preço negociado pelo Instituto Butantan.
Apesar de Pazuello ter dito no vídeo que havia assinado um memorando de entendimento para a compra, a negociação não prosperou.
“O Élcio [Franco, coronel e secretário-executivo do ministério] trabalhou muito bem nessa questão, não tem um centavo nosso despendido com essas pessoas que foram lá vender vacina. Ou vocês acham que nunca, no bolo lá que tem aquela reunião no Planalto, chega o cara, ó, tem vacina aí… […] nem dou bolo para o cara. Brasília é o paraíso dos lobistas, dos espertalhões. Ou não é?”.
Bolsonaro disse que, se estivesse no ministério, “teria apertado a mão daqueles caras todos”, após ser questionado se não era estranho um ministro topar conversar com representantes que se dizem autorizados a vender imunizantes em nome de empresas.
“O receber, ele não estava sentado à mesa. Geralmente, tira fotografia sentado na mesa negociando. E se fosse propina não dava entrevista, meu Deus do céu, não faria aquele vídeo. Dá para você entender isso aí?”.
Bolsonaro disse a jornalistas de São Paulo, com quem conversou após ter alta do hospital Vila Nova Star, que todo repórter de Brasília sabe que “lá é o paraíso dos lobistas”.
“Todos vocês da mídia nos pressionavam por vacinas, então muitas pessoas foram recebidas lá no ministério”, afirmou. “Se você ver o próprio traje do Pazuello, ele tá sem paletó, aquele pessoal se reuniu com o diretor responsável por possíveis compras no ministério, e na saída ele conversou com o pessoal.”
“Agora, aquele vídeo… Se fosse algo secreto, negociado superfaturado, ele estaria dando entrevista, meu Deus do céu? Ou estaria escondidinho lá no porão do ministério? É só analisar isso aí. ”
Disse que “não existe isso” de ter tentado comprar a indiana Covaxin com 1.000% de faturamento, outra suspeita que rondou a pasta. “É igual acreditar num cabo que, com todo o respeito aos cabos do Brasil, das Forças Armadas, que ele negociou uma propina de US$ 400 milhões, R$ 2 bilhões.”
Disse que esqueceu o nome do policial militar Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que acusou um diretor do ministério de cobrar propina de US$ 1 por cada uma das 400 milhões de doses que oferecia da Astrazeneca. A negociação, considerada fantasma já que nunca houve garantia de conseguir o produto para o governo federal, resultou na demissão de Roberto Ferreira Dias.
“São pessoas que não têm credibilidade nenhuma”, afirmou Bolsonaro. “É motivo de orgulho para mim saber que todos esses possíveis contratos não deram mais que um passo.”
Bolsonaro saiu do hospital acompanhado do apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus), um de seus aliados evangélicos, conhecido por usar roupas de caubói.
Talvez por um “milagre de Deus”, disse, não precisou se submeter a uma cirurgia. Não prometeu seguir a dieta recomendada pelo cirurgião Antonio Macedo, líder da equipe que cuidou do quadro de obstrução intestinal que o levou a ser hospitalizado na quarta (14).
A negociação em 11 de março teve o desfecho registrado em um vídeo em que o general do Exército aparece ao lado de quatro pessoas que representariam a World Brands, uma empresa de Santa Catarina que lida com comércio exterior.
A Folha também obteve a proposta da World Brands. Com o depósito de metade do valor total da compra, seriam R$ 4,65 bilhões, considerando-se a cotação do dólar à época.
Naquela data, 11 de março, o governo brasileiro já havia anunciado fazia dois meses a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac via Instituto Butatan, pelo preço de US$ 10 a dose. A demissão de Pazuello seria tornada pública por Bolsonaro quatro dias depois, em 15 de março.
Além da discrepância no preço, o encontro fora da agenda contradiz o que Pazuello afirmou em depoimento à CPI, em 19 de maio. Aos senadores o general disse que não liderou as negociações com a Pfizer sob o argumento de que um ministro jamais deve receber ou negociar com uma empresa.
“Pela simples razão de que eu sou o dirigente máximo, eu sou o ‘decisor’, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o ministro. Se o ministro… Jamais deve receber uma empresa, o senhor [senador Renan Calheiros] deveria saber disso”, disse Pazuello à CPI.
No vídeo, um empresário que Pazuello identifica como “John” agradece a oportunidade do ministro recebê-lo e diz que podem ser feitas outras parcerias “com tanta porta aberta que o ministro nos propôs”.
A reunião dos empresários foi marcada com o gabinete de Elcio Franco, que recebeu o grupo. Segundo ex-assessores da pasta, Pazuello foi chamado à sala, ouviu o relato da reunião e fez o vídeo.
Três pessoas que acompanharam a reunião disseram que o vídeo foi gravado mesmo antes de Pazuello conhecer o preço da vacina.
Segundo um ex-auxiliar do então ministro, a ideia era propagandear nas redes sociais o avanço em uma negociação, no momento em que o governo era pressionado a ampliar o portfólio de vacinas.
Após a gravação, de acordo com os relatos colhidos pela Folha, parte da equipe do ministro pediu que os empresários não compartilhassem o vídeo, que foi feito por meio do aparelho celular de John.
Pazuello divulgou na noite desta sexta-feira (16) uma nota à Folha na qual afirma que, no período à frente da pasta, não negociou aquisição de vacinas com empresários.
“Enquanto estive como ministro da Saúde, em momento algum negociei aquisição de vacinas com empresários, fato que já foi reiteradamente informado na CPI da Pandemia e em outras instâncias judicantes”, escreveu o general da ativa.
Encaminhada à Folha como “Notificação Extrajudicial”, com pedido de direito de resposta, a nota foi publicada na sequência a toda a imprensa pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), da Presidência da República. A Folha negará o direito de resposta.
A secretaria do governo Bolsonaro (sem partido) afirmou ainda que o mesmo procedimento seria adotado em relação à CNN Brasil e ao jornal O Globo.