Aliados de Alckmin e de Doria travam CPI que investigaria suspeita de corrupção no PSDB na Assembleia de SP
A CPI da Dersa estava prevista para ser iniciada este ano
Uma manobra de aliados do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin e do atual governador, João Doria, ambos do PSDB, travou a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Legislativa, que investigaria suspeitas de corrupção relacionadas às gestões tucanas.
À espera da instalação desde 2019, quando Doria assumiu o governo, a CPI da Dersa (estatal paulista de rodovias) estava prevista para ser iniciada no começo deste ano.
Um questionamento (instrumento formalmente chamado de questão de ordem) apresentado pelo deputado estadual Campos Machado (Avante), apoiador de Alckmin, e ainda não respondido pelo presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), próximo de Doria, impediu que a CPI fosse criada até o momento.
A CPI poderia ter sido constituída por Pignatari ao menos desde abril, segundo o regimento da Casa –o que não foi feito pelo tucano.
Somente em 7 de agosto o presidente instalou três das cinco CPIs previstas para 2021, mas a da Dersa e outra comissão sobre cobrança de aluguel em moradias irregulares ficaram travadas pela questão de ordem apresentada por Campos Machado dias antes, em 3 de agosto.
Procurado pela reportagem, Campos Machado não se manifestou. Em plenário, disse ter feito o questionamento por “absoluta ausência de fato determinado” nas duas CPIs.
“‘Investigar improbidades e ilegalidades’ em ‘licitações e contratos’, ‘nessas obras viárias’, não nos mostram, indubitavelmente, nenhum fato concreto, preciso ou estabelecido”, disse Machado no documento protocolado à presidência da Casa.
Pignatari tem, de acordo com o regimento, 60 dias para responder ao questionamento, o que possibilitaria o avanço da CPI. Outra questão de ordem formulada neste ano sobre um tema relevante na Casa, a suspensão de Fernando Cury (Cidadania) por ter apalpado Isa Penna (PSOL), foi resolvida pelo presidente em sete dias.
O requerimento da CPI da Dersa, apresentado pela então deputada Beth Sahão (PT) em 2019, previa a análise de eventuais irregularidades praticadas por agentes públicos que “deram causa a fraude nas licitações e contratos do governo do estado”.
Esses agentes públicos, diz o requerimento, são suspeitos de desviarem “recursos públicos, utilizando-se de empresas de fachada para lavagem de recursos de empreiteiras nessas obras viárias, por meio da atuação do Sr. Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, no período de 2007 a 2019”.
Paulo Vieira, que foi diretor de Engenharia da Dersa durante o governo José Serra (PSDB), é mais conhecido como Paulo Preto. Ele já foi denunciado cinco vezes pelo Ministério Público Federal sob a acusação de irregularidades e desvios em obras públicas.
Também há suspeitas de irregularidades no trecho norte do Rodoanel, cuja obra foi iniciada em 2013, na gestão Alckmin, e ainda não foi concluída.
O sucessor de Paulo Preto na Diretoria de Engenharia da Dersa à época é Pedro da Silva, que virou réu sob acusação de fraude a licitação e falsidade ideológica. Tanto Paulo Preto como Pedro da Silva negam ter cometido irregularidades.
Segundo o regimento da Assembleia, as CPIs são instauradas na ordem em que forem protocoladas, e somente cinco podem funcionar ao mesmo tempo -pode haver uma sexta, se for aprovada em plenário. Cada comissão tem duração máxima de 180 dias.
As últimas cinco CPIs da Casa se encerraram no início de dezembro passado, e as próximas cinco da fila, inclusive a da Dersa e outras três da oposição, estavam previstas para serem instaladas neste ano. Em fevereiro, no início do ano legislativo, o então presidente Cauê Macris (PSDB) criou as cinco comissões, mas a partir daí os prazos não foram seguidos.
Pignatari substituiu Cauê em março. Após a posse da nova mesa diretora, no dia 15 daquele mês, os líderes dos partidos deveriam indicar os membros de comissões em até 15 dias -a composição das CPIs obedece a proporção das bancadas.
Após esse prazo, caso não haja a indicação pelos partidos, o regimento afirma que o presidente deve nomear os membros da comissão imediatamente, observando a representação proporcional.
Pignatari não seguiu a norma, atrasando o funcionamento da CPI da Dersa e das demais. O presidente constituiu parte das CPIs apenas em agosto –mesmo mês em que Campos Machado agiu para retardar ainda mais duas delas.
Procurada, a assessoria do presidente da Casa diz em nota que a CPI da Dersa não foi constituída por ter recebido questão de ordem “que está sob análise da equipe técnica da Casa”.
Também diz que não instalou as CPIs imediatamente, conforme o regimento, porque “havia um acordo para que os líderes dos partidos indicassem os membros das CPIs, o que aconteceu no início deste semestre”.
A líder do PSDB, Analice Fernandes, diz ter indicado os membros tucanos, em março, para todas as CPIs.
O deputado Paulo Fiorilo (PT) afirma que o partido têm questionado à Mesa Diretora sobre a demora para a instalação da CPI da Dersa e cogita, a exemplo do que ocorreu em Brasília para a instalação da CPI da Covid, recorrer ao Judiciário.
“Não tem como fugir. É um absurdo que as CPIs não tenham sido instaladas, em especial a da Dersa, para trazer informações importantes, que foram negadas até agora, sobre um esquema de corrupção histórico”, diz ele.
A CPI da Dersa era uma prioridade dos petistas logo após Doria assumir o governo, e os tucanos se mobilizaram para impedi-la.
Em 2019, assessores do PSDB se revezaram durante 63 horas em uma fila dentro da Casa para solicitar outras comissões de investigação à frente, já que a ordem de instalação é a ordem de protocolo. À época, o líder do governo era Pignatari.
Naquele ano, a Assembleia aprovou um projeto enviado pelo governo Doria para a extinção da Dersa. Por questões burocráticas, contudo, a estatal ainda está em processo de liquidação.
Das cinco CPIs previstas para 2021, quatro foram propostas pelo PT, que é tradicionalmente o principal partido de oposição aos tucanos paulistas, e uma tem autoria do deputado Marcos Zerbini (PSDB) -a que investigaria cobrança de aluguel em ocupações e também foi alvo de Campos Machado.
A última CPI de autoria de petistas no Legislativo paulista foi concluída em março de 2015 e não era direcionada ao governo -tratava de trotes nas universidades.
As três CPIs de oposição constituídas em agosto tratam de licenciamento de cavas subaquáticas no estuário entre as cidades de Santos e Cubatão, violência cometida contra a mulher e benefícios fiscais concedidos pelo governo na última década.
Ainda não houve reunião para definir quem irá presidi-las e dar início aos trabalhos. O regimento da Assembleia prevê cinco dias para que o membro mais velho convoque a primeira reunião, o que não foi feito até o momento.
A paralisia das CPIs no Legislativo paulista ocorre em meio ao aumento das verbas distribuídas por Doria revelada pelo jornal Folha de S.Paulo.
O próprio PT, no ano passado, discutia tentar conseguir a aprovação em plenário de uma CPI sobre as emendas pagas pelo governador, mas não se mobilizou para isso. Depois da publicação da série de reportagens, apenas o deputado Carlos Giannazi (PSOL) pediu a instalação de uma comissão sobre o tema.
Até agora, nove deputados, além dele, assinaram: Paulo Fiorilo (PT), Raul Marcelo (PSOL), Janaina Paschoal (PSL), Coronel Telhada (PP), Gil Diniz (sem partido), Major Mecca (PSL), Conte Lopes (PP), Castello Branco (PSL) e Erica Malunguinho (PSOL). São necessárias 32 assinaturas para o protocolo.
Deputados têm dito que a falta de sessões presenciais, devido à pandemia, prejudica o trabalho da CPI –mas, no ano passado, houve CPIs conduzidas com sucesso em sessões por videoconferência.
Outro caso de relevância na Casa, a suspensão de Cury, também tramitou neste ano de forma virtual no Conselho de Ética e no plenário, com a participação da maioria dos deputados.
“A CPI pode funcionar na pandemia. A Assembleia é movida pela pressão da opinião pública”, afirma Carlos Giannazi (PSOL), que vê manobras do governo para enterrar a CPI da Dersa.
“O governo sempre fez essas manobras para dificultar e atrasar a formação e o funcionamento de uma CPI. Isso é histórico, tem sido uma prática. E, quando a CPI é instalada, o governo a controla com maioria de membros, como na CPI da Merenda, que acabou não dando em nada.”
Outra CPI prejudicial ao governo –que foi instalada, mas não começou a funcionar– é sobre eventuais irregularidades na concessão de benefícios fiscais. A comissão teria o objetivo de fiscalizar a renúncia de receita de R$ 115 bilhões em dez anos.
Diversos benefícios fiscais estão sob sigilo, o que gerou críticas em diversos anos de integrantes do TCE (Tribunal de Contas do Estado) durante a análise de contas do governo.
No fim do ano passado, Doria reduziu alguns desses benefícios fiscais em um projeto aprovado pela Assembleia. A aprovação do polêmico pacote, de acordo com parlamentares, motivou a distribuição das verbas políticas aos parlamentares.
O líder de governo, Vinicius Camarinha (PSB), afirmou não saber as razões do atraso na instalação das CPIs e afirmou que essa é uma prerrogativa do presidente da Casa. Questionado sobre Pignatari estar protegendo Doria de uma investigação em relação à Dersa, Camarinha negou.
“Acredito que não esteja fazendo e sequer teria razão para isso. O governador não tem o que temer de nenhuma CPI. O governador tem quase três anos de mandato sem nenhum escândalo ou corrupção. Não vamos impedir qualquer CPI. Não temos preocupação, pode instalar amanhã”, disse.
Procurado pela reportagem, Alckmin não respondeu.
Texto: José Marques e Carolina Linhares