AGU deixa defesa de processos de Bolsonaro e de Wal do Açaí

O órgão, que representa juridicamente o governo federal, havia assumido a defesa de ambos em maio, em uma ação de improbidade administrativa

A AGU (Advocacia-Geral da União) deixou a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em procedimentos nos quais ele é investigado e também na ação que envolve sua ex-secretária parlamentar na Câmara Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí.
Wal foi funcionária fantasma de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, em caso revelado pela Folha de S.Paulo em 2018.

O órgão, que representa juridicamente o governo federal, havia assumido a defesa de ambos em maio, em uma ação de improbidade administrativa que tramita na Justiça Federal do Distrito Federal.

Em outros casos nos quais Bolsonaro é investigado, como em inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente também era defendido pela AGU, que agora está sob a alçada do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Procurado pela reportagem, o órgão informou que “não representa mais Walderice Santos da Conceição e Jair Bolsonaro” no processo de improbidade e que “também não atua mais na defesa do ex-presidente nas demais ações em que ele é réu”.

Na ação de improbidade, a AGU deixou a defesa de ambos no dia 26 de dezembro, pouco antes da posse de Lula, que aconteceu no domingo (1º/1). A justificativa oficial é que tanto o ex-presidente como Wal constituíram advogados particulares para o processo e informaram o fato ao órgão.

“Nos termos da legislação vigente, há incompatibilidade entre a representação pela AGU e por advogado privado”, afirmaram nos autos os advogados da União Vinicius Torquetti Domingos Rocha e Diogo Palau Flores dos Santos. “Dessa forma, comunica-se a revogação da representação.”

A partir de julho, Bolsonaro também passou a ser representado nesse processo pelo advogado Tarcísio Vieira, que o defendeu na campanha à reeleição para a Presidência da República.

Procurado, Tarcísio disse que atualmente só defende Bolsonaro em processos eleitorais que ainda restam da campanha do ano passado.
Os novos advogados de Bolsonaro e de Wal, porém, não se apresentaram no processo até o momento. A Folha não conseguiu localizar a nova defesa dos dois.

A ex-assessora trabalhava em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio de Bolsonaro, na pequena Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ).

Segundo vários moradores da região, Wal também prestava serviços particulares na casa de Bolsonaro. Ainda segundo eles, o marido dela, Edenilson, era caseiro do então deputado.

Na ocasião, Bolsonaro não soube detalhar serviços legislativos prestados pela assessora na cidade. Depois, afirmou que ela trabalhava na loja de açaí porque estava de férias na data em que os repórteres da Folha estiveram na vila.

Em maio, quando o órgão federal assumiu o caso, advogados da União argumentaram que não houve irregularidades por parte do presidente e da ex-funcionária.

A AGU disse que fazia a defesa de Wal do Açaí porque ela atuou como agente pública, já que é ex-secretária parlamentar de Bolsonaro, e fez um requerimento administrativo para ser representada pelo órgão.

“[A AGU] está autorizada a representar judicialmente os agentes públicos federais quando os atos a ele imputados tenham sido praticados no exercício das atribuições constitucionais, legais ou regulamentares inerentes ao cargo, no interesse público”, disse o órgão à época.
A defesa de ex-agentes públicos pela AGU tem sido considerada possível pela Justiça “desde que o fato questionado tenha ocorrido no exercício de suas atribuições”.

O Ministério Público Federal diz que a representação do órgão é irregular nesse caso porque trata-se de suspeita de prejuízo aos cofres públicos e a AGU deve fazer a defesa de atos praticados no interesse público.

Além de fazer a defesa de Bolsonaro nesses casos, a AGU também representava Bolsonaro nas investigações relacionadas ao mandatário no Supremo.

Por exemplo: o inquérito das fake news, o da suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e o do vazamento de informações da apuração sigilosa sobre um ataque hacker ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O advogado-geral da União do último ano da gestão Bolsonaro foi o ex-ministro Bruno Bianco, que fez uma ampla defesa de atos do ex-presidente e também de suas questões pessoais.

Para a pesquisadora da FGV Direito SP Eloísa Machado de Almeida, a AGU só deveria continuar nas ações após o término do mandato “se fossem atos de ofício, do presidente representando a União”.

Mas ela vê irregularidade no fato de a AGU ter representado o ex-presidente por “atos personalíssimos” dele, mesmo durante o mandato.
Em inquéritos criminais passados, como do ex-presidente Michel Temer, os presidentes normalmente usavam advogados particulares em sua defesa.

Quando era presidente, Dilma Rousseff usou a AGU para acionar o Supremo em decisões relacionadas à crise política do seu segundo mandato.

Além disso, José Eduardo Cardozo fez a defesa da então presidente no processo de impeachment como AGU e foi exonerado do cargo quando Dilma foi afastada. Ele continuou representando de forma particular no processo.

O governo Lula nomeou Jorge Messias para o cargo de advogado-geral da União. Ele tem uma proximidade histórica com petistas como a própria Dilma, o ex-ministro Aloizio Mercadante e o senador Jaques Wagner (BA).

Ao ser empossado, Messias fez uma série de críticas às atitudes de Bolsonaro e disse que a eleição de Lula tirou o Brasil “do perigoso flerte com o fascismo” e que havia um “cenário de terror” no país.

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