Líder dos caminhoneiros é Bolsonaro, diz ex-ministro que enfrentou greve de 2018

Sindicalismo em rede surgiu no movimento traumático de maio daquele ano, avalia Jungmann

O movimento de caminhoneiros pelo país tem origem na organização que emergiu na traumática greve de 2018, mas com uma diferença fundamental.

“O líder é o presidente da República”, avalia Raul Jungmann, apontando para o fato de que foi Jair Bolsonaro quem convocou a categoria a integrar os atos golpistas em favor de seu governo no feriado do 7 de Setembro.

Ministro da Segurança Pública do governo de Michel Temer (MDB), Jungmann esteve na linha de frente da crise aguda de maio de 2018, quando bloqueios provocaram estado de emergência em diversos pontos do país e obrigaram o uso de forças federais.

“Naquele momento, surgiu um sindicalismo em rede. Nós fizemos uma reunião com sindicatos, fizemos foto, e a greve só piorou depois. Isso porque é algo disperso, de grupos que falam entre si. Com quem você negocia?”, contou.

A greve de 2018 “balançou o governo”, diz o ex-ministro, que antes ocupara a pasta da Defesa sob Temer. Naquele momento, Bolsonaro era um candidato ainda visto com desconfiança pelo establishment, e já muito associado às lideranças de caminhoneiros.

Como ocorreu na noite de quarta (8), ele tentou se desvencilhar do problema ao conceder uma entrevista à Folha dizendo que os atos deveriam parar. Ali, como agora, o cálculo foi de dano político.

“Havia um apoio da classe média à greve de 2018 [como o Datafolha atestou]. Mas quando as cidades ficaram sem abastecimento e isso impactou preços, a coisa mudou”, lembra Jungmann.

Há também diferenças estruturais. Em 2018, existia uma pauta dos caminhoneiros autônomos que foi, em parte, atendida pelo governo: a alta do diesel na bomba foi parcialmente revertida e a cobrança de pedágio por eixo suspenso de caminhões, retirada.

“Também havia o interesse de empresas transportadoras, que estimularam os autônomos fornecendo combustível, para chantagear o governo, fazer locaute”, diz o ex-ministro, ressaltando que há aspectos empresariais hoje também.

“A Aprosoja [entidade de produtores de soja] é contra a discussão [no Supremo Tribunal Federal] para derrubar o marco temporal das discussões sobre áreas indígenas, por exemplo”, afirma.

Mas o grande diferencial é de cunho político. Em 2018, Temer já vivia uma crise quase terminal de popularidade, na esteira do escândalo da JBS, e seu governo enfraquecido era o alvo. Agora, como diz Jungmann, Bolsonaro é quem chamou os caminhoneiros às ruas.

Ele crê que o recuo de Bolsonaro, que pediu o fim do movimento, se deve exclusivamente ao temor de desabastecimento num momento de erosão da economia: inflação alta, crise energética nos calcanhares do governo, desemprego e problemas fiscais se avolumando.

A percepção do ex-ministro é de que o movimento atual não irá crescer como em 2018, com efeitos graves na economia. Há também o fato de que muitas entidades do setor se posicionaram contra os atos.

O grau de assessoramento de Bolsonaro parece baixo, de todo modo, visto que sua mensagem para lideranças dos caminhoneiros na Esplanada dos Ministérios foi repassada pelo ministro Tarcísio Gomes (Infraestrutura) em um áudio de WhatsApp.

“Naquela crise, fazíamos duas reuniões por dia do comitê de gestão, a segunda delas com o presidente presente”, diz Jungmann.

O governo então pediu que o movimento, iniciado em 21 de maio, fosse declarado ilegal pelo Supremo –o que ocorreu imediatamente. Dali em diante, abriu processos por meio da Polícia Federal e usou as Forças Amadas para garantir a desobstrução de vias.

Enquanto isso, o governo negociou suas concessões finais e o movimento acabou no dia 30.

Hoje, tais recursos atenderiam à quimera bolsonarista de um golpe: circulam mensagens dizendo que uma radicalização nas ruas abriria a porta para uma intervenção federal com militares em favor de Bolsonaro, o que é uma elaboração delirante do ponto de vista legal.

Por Igor Gielow

 

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