Crise intestinal pode acompanhar Bolsonaro por toda a vida, dizem médicos
As obstruções são acusadas por aderências decorrentes das intervenções cirúrgicas
É grande a probabilidade de a obstrução intestinal do presidente Jair Bolsonaro (PL) se resolver nas próximas 72 horas com tratamento clínico, sem a necessidade de cirurgia, mas o risco de o problema voltar se repetir pode acompanhá-lo para o resto da vida, segundo cirurgiões do aparelho digestivo ouvidos pela reportagem.
As obstruções são causadas por aderências (partes do intestino que ficam coladas) decorrentes do histórico de intervenções cirúrgicas após a facada que Bolsonaro sofreu em setembro de 2018, quando houve derramamento de sangue e de fezes no peritônio, camada que reveste o abdome.
Para os médicos ouvidos pela reportagem, essas crises em geral são aleatórias e independem do estilo de vida, como alimentação ou prática de atividades físicas.
Mas, mesmo sem evidências científicas que demonstrem um nexo causal, algumas situações podem ter associação com exagero no consumo de comida e bebida, segundo o cirurgião Carlos Sobrado, professor de coloproctologia da Faculdade de Medicina da USP.
Sobrado faz a seguinte analogia para explicar o que está acontecendo com o intestino do presidente. “É como quando você está jogando água no quintal, a mangueira dobra e para de sair água”, compara.
Quando as alças intestinais dobram, começa a acumular fezes e líquidos no estômago, causando distensão abdominal e aumento da população de bactérias que habitam o intestino. “A barriga fica estufada, as cólicas são fortes, a pessoa tem muita dor, ânsia de vômito.”
Esses líquidos são resultantes da saliva deglutida, do muco do intestino, do suco gástrico, da bile e do suco pancreático. Tudo isso deveria estar sendo absorvido pelo intestino, mas, devido à obstrução, acaba se acumulando no estômago –o que gera até 2.000 ml de líquido escurecido a cada 24 horas.
No momento, além da retirada do líquido acumulado por meio da sonda nasogástrica, a terapia de Bolsonaro consiste em jejum oral, soro de hidratação e reposição de glicose e eletrólitos (especialmente sódio e potássio) e uso de antibióticos para evitar infecção. É o chamado tratamento conservador.
Nas próximas horas, também é provável que seja colocado um cateter no seu pescoço para alimentação parenteral –que vai nutrir o presidente com proteínas, gordura, lipídios entre outros.
Segundo Diego Adão Fanti Silva, cirurgião do aparelho digestivo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), as chances de sucesso do tratamento conservador são de 80%.
Ou seja, com a retirada do líquido do estômago, a distensão abdominal tende a diminuir e é provável que a aderência que está obstruindo o trânsito intestinal se desfaça sozinha.
O fato de Bolsonaro já ter tido o mesmo quadro em julho do ano passado não altera as chances de sucesso do tratamento conservador, afirma Silva. “É como se fosse o primeiro evento de novo. Cada crise carrega em si a chance de [de o tratamento] dar certo ou errado.”
Nas próximas horas, há sinais importantes que devem ser considerados, segundo o cirurgião. Por exemplo, o chamado débito da sonda, ou seja, o volume de líquido que está saindo pela sonda do nariz.
De acordo com Silva, conforme a aderência começa a se soltar, diminui o volume de líquido que sai pela sonda e a cor fica mais clara. Outro sinal positivo é quando o presidente começar a comer e a beber sem vomitar e, por fim, quando eliminar gases e fezes.
Se o quadro não melhorar em dois ou três dias, pode haver necessidade de cirurgia. Para Silva, somente nessas circunstâncias a intervenção estaria indicada.
“Quando você opera, a própria cirurgia é causadora de novas brida [aderências], a cirurgia não tira esse risco. Você também pode se desfazer daquela aderência que está provocando a obstrução, mas, quando você opera [um intestino como o presidente], são várias aderências, não é só uma.”
Já o cirurgião Carlos Sobrado, da USP, diz que quando as crises obstrutivas começam a se repetir, a cirurgia pode ser uma boa opção.
“Quando a pessoa já teve três crises, a chance de ter novas é muito alta, então, precisa operar. Não tem jeito. Mas tem que ser um médico experiente, não é cirurgia para garoto”, diz ele.
Segundo ele, essas aderências são, em geral, muito firmes, localizadas em regiões críticas. “Tem que ter muita paciência para deslocar uma alça intestinal grudada no fígado, na via biliar, no ureter, nos vasos ilíacos, na aorta, nos vasos abdominais.”
De acordo com ele, estudos que acompanharam pacientes que tiveram várias crises de aderência e que compararam desfechos a médio e longo prazo concluíram que o grupo operado levou vantagem em relação ao que recebeu tratamento conservador.
“Os pacientes tiveram menos crises recorrentes do que aqueles que ficaram só com tratamento clínico.”
No ponto de vista do cirurgião, Bolsonaro seria candidato a uma cirurgia. Ele diz que o tratamento clínico pode trazer um alívio momentâneo, após as alças intestinais se desdobrarem, mas a aderência que provavelmente está grudada na parede abdominal continuará lá.
“Com a cirurgia, você libera todas as aderências, coloca todos os órgãos na posição normal. Pode grudar novamente? Pode, em 10%, 15% dos casos”, afirma.
Para Diego Silva, o risco de novas crises de obstrução acompanhará Bolsonaro pelo resto da vida independentemente do tratamento que receberá agora ou do estilo de vida que adota. “Pode ter de novo ou pode ser que não tenha nunca mais. É totalmente aleatório.”
Por Cláudia Collucci