Kassio deve levar à 2ª turma do STF casos em que derrubou decisões do TSE
Esses recursos ainda não foram apresentados e a intenção de enviá-los para a segunda turma
O ministro Kassio Nunes Marques pretende enviar para a segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) os processos nos quais derrubou decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e favoreceu deputados ligados ao presidente Jair Bolsonaro. Para isso, é preciso que ocorram recursos às decisões.
Esses recursos ainda não foram apresentados, e a intenção de enviá-los para a segunda turma é o que Kassio tem informado a seus interlocutores.
A segunda turma é composta por 5 dos 11 ministros que integram a corte: o próprio Kassio, André Mendonça, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.
Ainda assim, caso algum ministro peça ou haja novos recursos do Ministério Público Federal, os casos podem ser levados a plenário, para julgamento dos 11 ministros do STF.
2ª turma do Supremo
Kassio Nunes Marques Gilmar Mendes Ricardo Lewandowski Edson Fachin André Mendonça Nesta quinta-feira, o ministro do STF indicado por Bolsonaro suspendeu as cassações dos mandatos do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) e do deputado federal José Valdevan de Jesus, o Valdevan Noventa (PL-SE).
As duas liminares nas quais derrubou decisões do TSE em favor de deputados aliados do presidente devem abrir um novo embate entre o STF e Bolsonaro.
Ambos os casos, agora, terão de ser analisados por outros ministros do STF, alvo de uma série de ataques do presidente da República, que em outubro próximo disputará a reeleição ao Palácio do Planalto.
Aliado de Bolsonaro, Francischini foi cassado em outubro passado devido à publicação de vídeo, no dia das eleições de 2018, no qual afirmou que as urnas eletrônicas haviam sido fraudadas para impedir a votação no então candidato a presidente da República.
A decisão liminar (provisória) de Kassio tem um efeito simbólico que mexe não só com as eleições como também com a crise permanente de tensão de Bolsonaro com o Poder Judiciário.
Isso porque o magistrado foi indicado ao STF por Bolsonaro, tem votado a favor de causas do presidente em diferentes julgamentos, mesmo que de forma isolada, e agora derruba uma decisão do plenário do TSE usada como exemplo contra a propagação de fake news nas eleições.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, pretende pautar o caso no plenário tão logo Kassio libere o processo para julgamento, o que pode acontecer, por exemplo, se houver recurso.
Pode também liberar a decisão, sem precisar de recurso, para que haja o chamado “referendo” da corte. Isso tem sido feito corriqueiramente pelos ministros em matérias de grande repercussão.
Em sua live semanal na noite desta quinta, Bolsonaro defendeu a decisão de Kassio sobre o deputado do Paraná, disse que a ordem do TSE havia sido “inacreditável” e voltou a atacar a corte e a espalhar teorias da conspiração sem provas contra o sistema eletrônico de votação e sobre o último pleito presidencial.
O presidente frisou que a decisão contra Francischini foi tomada em 2021 por um placar de 6 a 1, com voto favorável dos três ministros do Supremo que estavam na corte à época: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Também afirmou que o TSE tem tomado “medidas arbitrárias contra o Estado democrático de Direito” e atacado “a democracia”. “Não querem transparência no sistema eleitoral”, disse.
Bolsonaro transformou o tribunal e seus ministros em adversários políticos. O presidente ataca os integrantes da corte ao mesmo tempo em que faz ameaças de tom golpista contra as eleições deste ano -ele aparece distante do ex-presidente Lula (PT) nas pesquisas de intenção de voto.
No julgamento de outubro, em meio ao acirramento das tensões entre o Palácio do Planalto e a cúpula do Judiciário, os ministros do TSE impuseram uma pena dura ao aliado do presidente.
Avaliaram que a punição poderia contribuir para conter a propagação de informações inverídicas sobre o funcionamento das urnas letrônicas em 2022. Foi a primeira vez que o TSE tomou decisão relacionada a um político que fez ataque aos equipamentos.
Dias depois, Bolsonaro comparou o veredito do tribunal a um estupro. “A cassação dele foi um estupro. Por ter feito uma live 12 minutos antes, não influenciou em nada. Ele era deputado federal. Foi uma violência (…) Aquela cassação foi uma violência contra a democracia”, afirmou.
“A cassação do mandato [de Francischini] realmente é uma passagem triste da nossa história. Nem na época do AI-5 se fazia isso, e o pessoal critica tanto nosso AI-5.”
Francischini foi investigado pelo Ministério Público por uso indevido dos meios de comunicação e por abuso de autoridade. No primeiro turno das eleições de 2018, ele realizou uma live e afirmou, sem provas, que as urnas estavam fraudadas para impedir a eleição de Bolsonaro.
Em recurso ao STF, o político paranaense e a Comissão Executiva do PSL, seu antigo partido, alegaram que o TSE deu em 2021, de maneira irregular, nova interpretação às regras eleitorais que vigoravam em 2018.
Citaram, entre outros aspectos, a compreensão da Justiça Eleitoral acerca das redes sociais como meio de comunicação para efeito de configuração de abuso e o balizamento da gravidade da conduta sob apuração para fins de impacto na legitimidade e normalidade das eleições.
Afirmaram que o TSE, assim, atentou contra a segurança jurídica daquele processo eleitoral, além de ferir princípios da anualidade, da imunidade parlamentar e da soberania popular.
Kassio acatou os argumentos da defesa ao entender que “a interpretação adotada pelo Tribunal Superior [Eleitoral] importa em erosão do conteúdo substantivo dos preceitos relativos à segurança jurídica, à soberania popular e à anualidade eleitoral”, segundo decisão de 60 páginas.
O ministro afirmou que compreende a preocupação do TSE em torno do uso da internet e tecnologia associadas no âmbito do processo eleitoral.
Porém, destacou ele, “parece que não há como criar-se uma proibição posterior aos fatos e aplicá-la retroativamente. Aqui não dependemos de maior compreensão sobre o funcionamento da internet. É questão de segurança jurídica mesmo”.
“Não cabe, sob o pretexto de proteger o Estado democrático de Direito, violar as regras do processo eleitoral, ferindo de morte princípios constitucionais como a segurança jurídica e a anualidade”, disse.
No caso de Valdevan, Kassio suspendeu decisão do TSE e devolveu o m andato ao deputado federal, que havia sido cassado em março deste ano por abuso do poder econômico durante a campanha eleitoral de 2018.
O TSE havia confirmado decisão do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Sergipe, que condenou o parlamentar por captação e gasto ilícito de recursos mediante depósitos de valores de origem não identificada.
Segundo Kassio, houve cerceamento de defesa porque o acórdão do julgamento do tribunal eleitoral ainda não foi publicado, o que impediu a defesa de Valdevan de apresentar recurso na corte.
“Volto para a Câmara dos Deputados pronto para cumprir minha missão”, disse Valdevan em nota. “Me sinto ainda mais forte para seguir com os projetos que estão em andamento, continuar destinando emendas para nossas cidades e honrar os 45.472 votos que me elegeram.”
Apesar de ter sido eleito por Sergipe, estado em que nasceu, Valdevan é presidente do SindMotoristas (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo) desde 2013.
Nesta semana ele liderou as assembleias de motoristas que decidiram paralisar o transporte público na capital na segunda-feira (6).
O site e as redes sociais do sindicato publicaram a notícia sobre a recondução do sindicalista à Câmara dos Deputados. De acordo com o sindicato, ele volta nesta sexta-feira (3) para o Congresso.
Segundo o processo que provocou a cassação do mandato, agora anulada, integrantes da equipe de Valdevan aliciaram dezenas de moradores de Estância e Arauá, em Sergipe, para simular doações ao então candidato.
“O perfil dos doadores era incompatível com o valor doado, uma vez que vários eram beneficiários do programa Bolsa Família e alguns deles confirmaram ter apenas emprestado o número do CPF para operação financeira”, disse o TSE ao divulgar a cassação.
Foram feitas mais de 80 doações de R$ 1.050 na mesma agência bancária, o que despertou o alerta sobre a possibilidade de fraude. O Ministério Público Eleitoral ajuizou uma ação de investigação judicial eleitoral, que confirmou a irregularidade.
Valdevan afirma ter sido o único deputado federal eleito por Sergipe a não receber recursos dos fundos partidários ou eleitoral. “Com isso, as doações realizadas após as eleições foram para cobrir as dívidas da campanha, sem qualquer intenção de ferir as regras eleitorais”, disse.
Por José Marques