Ato de Bolsonaro leva impasse ao STF, que foca Daniel Silveira inelegível
Nenhum dos 11 ministros se manifestou publicamente
MARCELO ROCHA
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) avaliam o momento adequado para reagir ao indulto da graça concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).
O benefício foi concedido por meio de um decreto 24 horas após o tribunal, por ampla maioria, condenar o parlamentar por ataques verbais e ameaças a integrantes da corte.
Cogitada, a ideia de uma resposta imediata perdeu força frente à constatação de que alimentaria o clima de tensão com Bolsonaro. Para alguns dos ministros, o foco é assegurar que pelo menos as penas de perda de mandato e de direitos políticos impostas ao deputado vinguem.
Há, no entanto, preocupação de que o episódio gere sensação de impunidade e percepção de que o presidente da República tem mais poder que o Supremo. O ato de Bolsonaro pegou ministros de surpresa. Nenhum dos 11 ministros se manifestou publicamente desde a publicação do decreto.
A palavra final sobre a possibilidade de Daniel Silveira sair candidato é do Judiciário, em especial da Justiça Eleitoral. Isso terá que ser decidido no momento da análise do pedido de registro de candidatura, a partir de agosto.
O deputado federal foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, além do pagamento de multa no valor de R$ 192 mil. Cabe recurso.
Nesta sexta-feira (22), dia seguinte ao indulto, partidos de oposição ao governo protocolaram pedidos no Supremo para a imediata suspensão do decreto presidencial. As ações estão sob a responsabilidade da ministra Rosa Weber.
A magistrada é também relatora de um inquérito que investiga Bolsonaro sob a suspeita de prevaricação no caso da compra da vacina indiana Covaxin. Recentemente, rejeitou uma manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República) pelo arquivamento da apuração.
Weber tem perfil discreto e é refratária a compartilhar nos bastidores avaliações acerca de assuntos em tramitação. Concede liminares (decisões provisórias) com parcimônia. Portanto, não há, até o momento, expectativa de que imprimirá rito sumário na tramitação das ações.
Geralmente, antes de qualquer decisão, a PGR é consultada. A Procuradoria é comandada por Augusto Aras, que não se manifestou sobre o assunto nesta sexta. A PGR pediu a abertura de inquérito, denunciou e defendeu a condenação de Silveira.
É também aguardado como Alexandre de Moraes reagirá ao ato de Bolsonaro nos autos da ação penal. Por meio de um pedido conhecido como tutela provisória incidental, a Rede Solidariedade levou formalmente ao processo a questão do indulto.
O partido político diz que é preciso “agir com rapidez, para impedir que se consume tamanha afronta à Constituição e ao ordenamento jurídico brasileiro”.
Ministros se amparam na jurisprudência do STF segundo a qual, embora seja prerrogativa do chefe do Executivo, o indulto é um instrumento passível de controle constitucional, função maior da corte.
Um dos princípios da Constituição é o da impessoalidade, e é questionável que a caneta do presidente da República seja usada para beneficiar um amigo e aliado político.
Outro aspecto é sobre o futuro político de Silveira. No STF não há clareza sobre todos os efeitos do indulto. Integrantes das cortes superiores e juristas dizem que ele não anula a perda de mandato imposta ao congressista.
Não afetaria também, segundo as análises preliminares, a inelegibilidade. Há um entendimento de que a condenação do STF impede eventual candidatura de Silveira, pois a Lei da Ficha Limpa determina que, para a perda de direitos políticos, basta condenação por decisão colegiada.
Nos últimos dois dias uma súmula do STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem sido citada como argumento de que o ato presidencial tem repercussão limitada, apenas sobre a pena de privação de liberdade e a multa.
O Planalto, por sua vez, sustenta que o alcance do decreto presidencial é amplo: “A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos”.
Para editá-lo Bolsonaro se baseou no Código de Processo Penal, segundo o qual “a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente”.
Há dúvida quanto ao momento de sua concessão, se antes ou depois do trânsito em julgado da sentença, fase em que estão esgotados todos os recursos possíveis aos condenados.
O decreto diz que a graça por ele concedida ao aliado “é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Todas essas questões devem ser contempladas quando o Supremo retornar ao tema, seja por meio de eventual recurso do réu ou das ações dos partidos políticos.
A Rede Sustentabilidade afirmou que há “claro desvio de finalidade” na concessão do perdão ao deputado.
“Ao exercer sua misericórdia com um dos seus mais fervorosos apoiadores, certamente o presidente da República não está munido pela bússola do interesse público, mas do seu mais vil e torpe interesse egoístico”, afirma a ação.
A legenda ainda argumenta que Bolsonaro passa a incentivar ataques às instituições, “na certeza de que o presidente da República concederá o indulto ou a graça a todos os envolvidos no cenário de delinquência criminosa”.
Para o partido, se nada for feito, Bolsonaro terá maior chance de concretizar “sua antiga vontade” de se perpetuar no poder, “inobstante os meios para tanto e, literalmente, custe o que custar”.
Em viagem à Bahia nesta sexta, Bolsonaro classificou o ato em prol de Silveira como “simbólico”.
“Ontem foi um dia importante para o nosso país. Não pela pessoa que estava em jogo [Silveira] ou por quem foi protagonista desse episódio, mas do simbolismo de que nós temos mais que o direito, nós temos a garantia da nossa liberdade”, disse.
Uma das provas usadas pela PGR para pedir a condenação de Silveira foi um vídeo divulgado por ele em fevereiro de 2021.
Na gravação, o parlamentar fez ataques ao ministro Edson Fachin e outros integrantes do Supremo, em que sugere agredi-los e defende a destituição, após o magistrado criticar uma declaração do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas sobre um post feito às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018.
“Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião vocês [ministros do STF] já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitável, intolerável, Fachin”, diz um trecho da gravação.