Alvo da CPI transferiu R$ 1,9 mi a empresa de mãe de aliado de Barros
Tolentino é apontado como sócio oculto da FIB Bank
A FIB Bank, alvo da CPI da Covid no Senado por ter dado uma garantia irregular no negócio bilionário da vacina Covaxin, fez transferências de R$ 1,91 milhão a uma empresa colocada no nome da mãe do empresário Marcos Tolentino da Silva.
Tolentino é apontado como sócio oculto da FIB Bank, como o jornal Folha de S.Paulo revelou em reportagem publicada em 23 de julho. As transações com uma empresa em nome da mãe reforçam os indícios de sociedade oculta.
O empresário, amigo próximo do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, foi convocado para depor na CPI. Sua oitiva está marcada para a manhã desta quarta-feira (1º).
Tolentino e Barros, investigado pela CPI, estiveram em julho no Palácio do Planalto com o presidente Jair Bolsonaro. Em janeiro, o deputado intermediou para o empresário uma agenda no Ministério das Comunicações.
Os dois compareceram juntos à reunião.
Um RIF (relatório de inteligência financeira), elaborado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e em poder da CPI, registra movimentações tidas como atípicas entre a empresa de garantias fidejussórias e a Brasil Space Air Log Conservação Aérea.
A Brasil Space tem capital de R$ 50 mil e está no nome de Valdete Vieira Tolentino. Ela é mãe de Marcos Tolentino.
Entre julho de 2019 e outubro de 2020, a FIB Bank transferiu R$ 1,22 milhão à Brasil Space. Depois, entre outubro de 2020 e maio de 2021, foram mais R$ 691,1 mil. O total movimentado foi de R$ 1,91 milhão.
No mesmo período, também houve o caminho inverso: a empresa da mãe de Tolentino fez transferências à FIB Bank no valor de R$ 1,3 milhão.
Segundo o relatório do Coaf, a empresa de garantias teve recebimentos expressivos “sem causa aparente”, fez movimentações incompatíveis com o faturamento e há indícios de “burla de bloqueio judicial” referente à Brasil Space.
O RIF registra ainda que os sócios da FIB Bank não dão detalhes às instituições bancárias sobre a real atividade exercida e evitam receber visitas de representantes de bancos e fornecer documentos cobrados. Por isso, a empresa não tem “respaldo cadastral”, conforme o documento do Coaf.
Esses mesmos sócios afirmaram que a empresa atua com consultoria em gestão de recursos, o que contraria a área de atuação da FIB Bank na área de garantias.
Antes de ser Brasil Space Air Log, uma empresa com atuação formal em “atividades auxiliares dos transportes aéreos”, o empreendimento era um comércio de ferramentas, ferragens, tintas e materiais de construção, com capital de R$ 10 mil.
A alteração ocorreu em 2010, com entrada de um novo sócio: Valter Tolentino da Silva, pai de Marcos Tolentino. Valdete, a mãe, ingressou em 2014, conforme os registros públicos da Junta Comercial do Estado de São Paulo.
O pai foi retirado da sociedade em 2017, e o próprio Marcos Tolentino virou sócio da Brasil Space, em 2018. Ele deixou o empreendimento em 8 de junho de 2020, remanescendo apenas a mãe.
À Folha de S.Paulo, por email, Tolentino afirmou que as transações entre FIB Bank e Brasil Space se referem a um “contrato de mútuo” entre as duas empresas. “O valor foi pago parcialmente, no valor de R$ 1,3 milhão, tendo o saldo ainda pendente de pagamento por parte da empresa Brasil Space Air Log.”
A reportagem questionou o empresário se o dinheiro transferido se destinou a ele, à sua mãe ou à empresa.
“A informação aqui solicitada é fruto de um relatório emitido pelo Coaf, conseguido através da quebra do sigilo bancário da FIB Bank Garantias, salientando, porém, que tal quebra de sigilo é restrita e unicamente em relação à CPI e não é de domínio ou de interesse público”, respondeu Tolentino por escrito.
A FIB Bank foi a responsável por fornecer a garantia do contrato de R$ 1,6 bilhão para o fornecimento da vacina indiana Covaxin. A “carta de fiança” foi providenciada pela Precisa Medicamentos, intermediária do negócio no Ministério da Saúde.
A garantia cobriria 5% do valor do contrato, R$ 80,7 milhões, conforme exigência contratual. O documento, porém, é irregular. Trata-se de uma garantia pessoal, e não uma fiança bancária, um seguro-garantia ou caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, o que contraria o próprio contrato e a legislação vigente.
Além disso, a “carta de fiança” foi apresentada dez dias depois do prazo contratual. Mesmo assim, a garantia foi aceita pelo Ministério da Saúde e inserida no sistema oficial de pagamentos do governo federal. Uma reportagem da Folha de S.Paulo publicada em 14 de julho revelou as irregularidades na garantia.
Após a revelação de fraudes e irregularidades no contrato e de suspeitas de corrupção, o governo Bolsonaro rescindiu o contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin. Todo o dinheiro, R$ 1,6 bilhão, ficou parado e reservado -sem possibilidade de qualquer outro uso, como a aquisição de outros imunizantes- desde 22 de fevereiro.
São diversos os indícios de que Tolentino é sócio oculto da FIB Bank. Ações de cobrança na Justiça em São Paulo fazem esse apontamento.
O endereço da Rede Brasil de Televisão, emissora de Tolentino, é o mesmo de uma das duas empresas acionistas da FIB Bank, a Pico do Juazeiro Participações. Em depoimento na CPI, o diretor formal da FIB Bank, Roberto Pereira Ramos Júnior, afirmou que Tolentino é procurador da Pico do Juazeiro.
A segunda empresa acionista da FIB, a MB Guassu Administradora de Bens Próprios, tem o mesmo número de telefone do escritório de advocacia de Tolentino em São Paulo. O endereço também é o mesmo, levando em conta os registros públicos.
Empresas no nome de Ricardo Benetti, um dos sócios da Pico do Juazeiro, pertenceriam na verdade a Tolentino, conforme ação de cobrança ajuizada na Justiça. O telefone informado à Receita como sendo da FIB Bank é o mesmo de uma das empresas de Benetti.
A FIB Bank não respondeu aos questionamentos da reportagem.
“Não possuo qualquer participação na sociedade [da FIB Bank], que possui autonomia própria, não havendo qualquer ingerência da minha parte nos negócios desta empresa”, afirmou Tolentino, em resposta por email.
“Não sou sócio oculto da empresa como apontado por algumas matérias sensacionalistas, e se assim fosse não teria qualquer dificuldade em assumir tal fato, pois trata-se de empresa, até onde conheço, idônea e ligada a pessoas da minha estima e consideração, com a qual minhas empresas realizam negócios há longa data”, completou.
Tolentino disse ter feito parcerias com Ederson Benetti na compra de créditos de precatórios. Os dois foram sócios da Benetti Prestadora de Serviços em 2009.
Com a morte de Ederson, algumas empresas permaneceram como de propriedade de Tolentino e outras ficaram com o herdeiro, Ricardo Benetti, segundo a resposta do empresário.
“Há ativos, como precatórios federais, que ainda são de propriedade comum entre minhas empresas e o herdeiro Ricardo Benetti. Apesar de ter herdado empresas e ativos, ele não possui formação jurídica, nem a vivência empresarial do pai, fato este pelo qual continuo advogando e cuidando de assuntos relacionados a algumas de suas empresas, inclusive com procurações”, afirmou Tolentino.
Texto: Vinícius Sassine