Tartarugas envelhecem muito lentamente, ou simplesmente não envelhecem – Mais Brasília
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Tartarugas envelhecem muito lentamente, ou simplesmente não envelhecem

As conclusões das pesquisas acabam de sair no periódico especializado americano Science, um dos mais importantes do mundo

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Dois estudos que analisaram dezenas de espécies de répteis e anfíbios indicam que realmente existe algo de muito especial na longevidade das tartarugas. A grande maioria delas, ao que parece, envelhece de modo muito lento ou simplesmente não envelhece -pelo menos não da maneira como os seres humanos vão ficando mais idosos.

As conclusões das pesquisas acabam de sair no periódico especializado americano Science, um dos mais importantes do mundo. Se as observações estiverem corretas, trata-se de uma contribuição importante para o debate sobre a natureza do envelhecimento, considerada um dos grandes mistérios da biologia.

Acontece que não está totalmente claro se a chamada senescência (como os especialistas costumam designar o processo) é algo inevitável no caso de criaturas como os animais ou se, em alguns casos, ela acontece de forma muito menos previsível e inevitável. Descobertas sobre o tema podem trazer implicações médicas importantes, especialmente numa época em que a proporção de idosos na população mundial tem se tornado cada vez maior.

Em um dos estudos, liderados por Beth Reinke, da Universidade do Nordeste de Illinois (EUA), os pesquisadores estudaram 77 espécies de répteis e anfíbios na natureza, por meio de estudos de captura, marcação e soltura ao longo do tempo, em períodos com duração média de 17 anos (chegando, em alguns casos, a seis décadas). Ou seja, os bichos eram capturados, marcados e, se possível, recapturados no futuro para novas análises.

Já a segunda pesquisa, que tem como primeira autora a portuguesa Rita da Silva, da Universidade do Porto, estudou tartarugas que vivem em zoológicos e aquários e pertencem a 52 espécies diferentes. Nesse caso, foi possível analisar registros sobre toda a trajetória de vida dos bichos.

Tartarugas, é claro, são candidatas óbvias ao posto de Matusaléns dos vertebrados, graças à sabida longevidade desses bichos. Mas ampliar o leque da análise para uma ampla gama de répteis e anfíbios é interessante porque isso possibilita levar em conta uma série de características que podem influenciar a longevidade.

Entre essas possibilidades estão, por exemplo, a ectotermia (o popular “sangue frio” desses bichos). Esse tipo de metabolismo, em geral mais lento do que o de animais como os mamíferos, poderia, em tese, levar a um desgaste mais lento das células e tecidos do corpo.

Outras características potencialmente importantes são a presença de armaduras corporais (como, é claro, os casos das tartarugas) e da capacidade de inocular veneno.

Em ambos os casos, são características que aumentam consideravelmente a capacidade defensiva das espécies que as possuem. Com isso, em tese, o animal pode adotar um ciclo de vida mais sossegado, com menos “pressa” para alcançar a maturidade sexual e se reproduzir -e isso, portanto, deveria se traduzir em uma longevidade maior.

Com efeito, o ciclo reprodutivo é outro ponto crucial. Ao que tudo indica, animais que tendem a ter filhotes cedo envelhecem mais rápido do que aqueles que passam por um período longo de crescimento antes de se acasalar pela primeira vez. A ideia é que o organismo precisa “escolher” onde vai investir suas energias: reprodução rápida ou crescimento mais longo. No primeiro caso, o envelhecimento rápido seria só um subproduto do fato de que o corpo deixa de ter energia para gastar com o “conserto” constante de suas moléculas.

O primeiro estudo mostrou evidências claras de que fatores como a presença de armaduras e a demora para chegar à idade reprodutiva de fato são importantes para a longevidade, colocando as tartarugas em posição invejável (junto com os tuataras, lagartos neozelandeses extremamente primitivos que também podem passar dos cem anos de vida).

Já o segundo estudo usou análises estatísticas para mostrar que, ao contrário do que acontece com os seres humanos, 75% das espécies de tartarugas não sofrem um aumento da sua taxa de mortalidade conforme os indivíduos ficam mais velhos. Isso corresponde a uma taxa de senescência muito baixa ou “praticamente indetectável”, disse Rita da Silva à reportagem. O que não é a mesma coisa que vida eterna, lógico.

“O risco de mortalidade é, ainda assim, maior que zero”, explica ela. “Esses indivíduos estão igualmente sujeitos a causas de morte como doenças e acidentes. Podem, ainda, existir outras dinâmicas em jogo.”

Além disso, há registros de que tartarugas supercentenárias (com idades que poderiam ultrapassar os 150 anos) podem desenvolver problemas típicos da velhice humana, como cataratas nos olhos e doenças cardíacas. Por ora, o mistério sobre o que acontece no organismo delas permanece.

Por Reinaldo José Lopes