Rússia e China ampliam cooperação militar contra EUA e aliados

Em meio a crise, Moscou quer mais capacidade nuclear e, assim como a Ucrânia, faz novos exercícios

Em meio à crise em torno da Ucrânia e à perene tensão entre Pequim e Washington no Oriente, a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping assinaram uma ampliação em sua cooperação militar visando conter os EUA e seus aliados.

Não se trata de uma aliança de fato, mas ambos os países concordaram em expandir seus exercícios estratégicos e patrulhas aéreas em toda a região do Indo-Pacífico. Além disso, foi renovado acordo para que russos auxiliem chineses a monitorar lançamentos de mísseis nucleares contra seu território.

O movimento ocorre no momento em que a turbulência no Leste Europeu cresce dia a dia. Nesta quarta (24/11), tanto o Kremlin quanto Kiev iniciaram exercícios militares em meio a acusações mútuas de provocações visando iniciar uma guerra, que os EUA dizem poder ser iminente.

O ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, disse em videoconferência com seu colega chinês Wei Fenghe que o aumento da atividade de bombardeiros americanos não ocorre só na Europa, mas também no mar de Okhotsk.

A região fica perto tanto da Rússia quanto da China, e viu 22 voos de aparelhos capazes de lançar armas nucleares neste ano, ante 3 em 2020. “Com esse cenário, a coordenação russo-chinesa é um fator estabilizador nos assuntos mundiais”, disse Choigu, segundo a agência Tass.

Recentemente, russos e chineses fizeram manobras navais destinadas a alertar contra o crescente belicismo do Japão, aliado vital dos EUA no Indo-Pacífico. Os americanos, por sua vez, aproveitam o fim da ocupação do Afeganistão para direcionar recursos à região.

A China, por sua vez, está inserida na Guerra Fria 2.0, lançada pelos EUA para conter sua assertividade sob Xi. Um ponto de tensão central é Taiwan, a ilha autônoma que considera sua.

Nesta quarta, o Ministério das Relações Exteriores disse para os EUA pararem de cooperar economicamente com Taipei, pois isso “dá sinais aos independentistas” –e o próprio líder chinês deixou claro em sua de resto moderada com Joe Biden na semana passada que esta é a linha vermelha na relação.

Antes, o próprio Xi havia proposto aos países da Asean, a comunidade de nações da Ásia-Pacífico, a criação de uma zona livre de armas nucleares nos mares da região. Uma jogada retórica, ela visa pressionar a Austrália, que aderiu a um pacto militar com os EUA e Reino Unido e pode acabar com submarinos aliados armados com bombas atômicas em seus portos.

Por todo o alarmismo que uma aliança Moscou-Pequim possa trazer ao Ocidente, historicamente há limites para que isso ocorra. Um experiente diplomata russo lembra que “nós [russos] não os entendemos”, e há fatores de desconfiança mútua.

Durante a Guerra Fria, soviéticos e chineses quase foram à guerra total, e a aproximação americana com Pequim nos anos 1970 passa pela atração de um gigante comunista contra o outro. Putin investiu pesado em infraestrutura no Extremo Oriente russo temendo a influência, de resto inevitável, do peso econômico e geográfico chinês ao sul da região.

Além disso, nas duas vezes em sua história moderna em que firmou aliança militar, com franceses e alemães, a Rússia acabou invadida.

Por outro lado, como lembrou em artigo no jornal honconguês South China Morning Post o analista Alex Lo, as ações agressivas do governo de Joe Biden “jogaram russos e chineses na mesma cama, e agora é muito tarde”. “Os americanos são muito imprevisíveis hoje”, concordou, em outro texto, o expoente da geopolítica americana George Friedman.

Por sua vez, Wei elogiou as ações do Kremlin na Europa. Elas, disse, “contiveram de forma bem sucedida a pressão e as ameaças” dos EUA à frente da Otan (clube militar ocidental).

Ele não disse, mas se referia à concentração de forças em áreas relativamente próximas das fronteiras ucranianas, o ponto mais nevrálgico da atual crise, que inclui o impasse com refugiados atraídos pela aliada russa Belarus para desestabilizar a fronteira polonesa e a protelação alemã da operação do megagasoduto russo Nord Stream 2.

Desde novembro, talvez 100 mil homens estão na região, alimentando alertas de invasão por parte dos EUA. A Ucrânia vive um contencioso com Moscou agravado desde 2014, quando a derrubada do governo pró-Putin em Kiev levou Putin a anexar a Crimeia e a estimular separatistas russos no leste do país.

No último caso, o bode segue na sala, e esta é a segunda concentração de tropas russas no ano. O Kremlin nega a intenção de invadir, e é bastante provável que não deseje isso, tanto que as forças mobilizadas parecem insuficientes.

Estão envolvidos cerca de 100 dos 168 batalhões táticos das Forças Armadas, grupos com no máximo 900 a 1.000 homens prontos para ações imediatas, apoiadas por blindados, mísseis e poder aéreo. A Ucrânia dispõe de 2,5 vezes mais militares e está sendo reforçada, ainda que não ao nível russo, pelos EUA.

Este apoio, ainda que seu pedido para entrar na Otan esbarre no fato de viver um conflito territorial, para não falar na oposição de Putin, gerou mais críticas em Moscou. Choigu sacou até a carta nuclear nesta quarta.

“A situação política e militar tensa e a atividade crescente da Otan junto a nossas fronteiras exige o desenvolvimento ainda maior de nossas Forças Armadas. Temos de aumentar a capacidade de combate, mantendo a prontidão das forças nucleares”, afirmou.

Segundo ele, “no último mês houve 30 incursões [ocidentais] contra as fronteiras russas, o que é 2,5 vezes mais do que no correspondente período do ano passado”. O reverso é verdadeiro, com patrulhas de Moscou sendo interceptadas quase que diariamente por caças da Otan.

Enquanto isso, a Ucrânia enviou 8.500 soldados para treinar em sua fronteira com a Belarus, por temor de que haja rescaldo da crise de refugiados para seu território. A União Europeia aplicou sanções à ditadura de Aleksandr Lukachenko, já sob pressão pela repressão contra a oposição local, por ter facilitado a chegada de migrantes ilegais às fronteiras de seus países-membros.

Por sua vez, os russos fizeram também nesta quarta exercícios de surpresa no mar Negro, algo distante das águas ucranianas, onde houve manobras conjuntas lideradas pelos EUA nesta semana. A região já viu russos advertindo um destróier britânico a tiros neste ano.

Foram treinados ataques com aviões de combate e três navios contra alvos na água –um recado nada sutil, ainda mais porque os americanos entregaram dois barcos de patrulha a Kiev na terça (23/11).

Completando o quadro, o Departamento de Estado americano informou na terça que irá continuar monitorando empresas ligadas ao Nord Stream 2 e aplicando sanções. Para os EUA, o gasoduto é um “projeto geopolítico de Putin”, já que aumentará sua capacidade de barganha no fornecimento do produto ao mercado europeu, que já é 40% dos russos.

Por Igor Gielow

 

Sair da versão mobile