Protestos na França arrefecem, e 157 pessoas são presas após atos de vandalismo
Embora menos intensos, distúrbios voltam a causar violência; bombeiro morre ao tentar apagar incêndio
No primeiro sinal de alívio para o governo Emmanuel Macron após seguidos protestos que provocam caos na França, o número de manifestantes detidos em razão de atos de vandalismo diminuiu neste domingo e madrugada desta segunda-feira (3). Segundo autoridades, 157 pessoas foram presas nas últimas horas, menos do que as 719 da noite anterior.
Embora os distúrbios tenham sido menos intensos, a polícia voltou a registrar episódios de violência. Três agentes foram feridos em confrontos com manifestantes, que por sua vez destruíram 297 veículos e provocaram incêndios em 352 pontos de vias públicas, de acordo com balanço divulgado pelo Ministério do Interior. Além disso, uma delegacia de polícia e um quartel foram atacados.
O incidente mais grave ocorreu na comuna de Saint-Denis, perto de Paris. Um bombeiro de 24 anos morreu ao tentar apagar um incêndio em um carro atacado por manifestantes. “O jovem morreu apesar de ter sido tratado rapidamente”, lamentou o ministro do Interior, Gérald Darmanin, sem associar o caso aos protestos. Ele também anunciou a abertura de uma investigação —a causa da morte não foi esclarecida.
A revolta explodiu após a morte de Nahel, 17, de origem argelina, baleado durante uma abordagem de trânsito em Naterre, na terça-feira (27). Em protesto, milhares de manifestantes incendiaram carros, saquearam lojas e atacaram prefeituras, delegacias e escolas públicas nos últimos dias.
Os distúrbios já representam a crise mais grave para Macron desde o movimento dos “coletes amarelos”, em que milhares de pessoas protestaram contra o reajuste das taxas sobre o combustível, em 2018. Numa tentativa de arrefecer a crise atual, dezenas de prefeitos convocaram uma mobilização para esta segunda (3) diante das sedes dos governos municipais. O objetivo, segundo as autoridades, é dialogar com a população numa “mobilização cívica em busca do retorno à ordem”.
O presidente Emmanuel Macron, que cancelou uma visita de Estado à Alemanha no fim de semana, receberá nesta segunda os presidentes das duas Câmaras do Parlamento. Nesta terça, ele deve conversar com aproximadamente 200 prefeitos de locais que registraram distúrbios. A primeira-ministra, Élisabeth Borne, prometeu “grande firmeza” na repressão aos atos de vandalismo.
Para autoridades, uma linha vermelha foi cruzada com o atauqe à residência do prefeito de L’Haÿ-les-Roses (10 Km ao sul de Paris), o direitista Vincent Jeanbrun. Os manifestantes usaram um carro para invadir a propriedade. Depois, atearam fogo ao veículo.
Jeanbrun estava na sede da prefeitura no momento do ataque, mas sua mulher e filho, que estavam na residência vandalizada, ficaram feridos. A Justiça investiga o caso como tentativa de assassinato. “Eles queriam queimar a casa e perceberam que havia alguém dentro. Em vez de parar, [os criminosos] lançaram fogos de artifício”, disse Jeanbrun à emissora de televisão TF1.
No domingo, a avó de Nahel clamou pelo fim do tumulto nacional, afirmando que os manifestantes estão usando a morte de seu neto como desculpa para causar estragos no país. Sua família quer calma, urgiu. “Estou dizendo a eles para pararem”, disse à imprensa local. “Que não quebrem vitrines, que não destruam escolas e ônibus. São mães que usam os ônibus”, acrescentou.
A violência na França, que sediará a Copa do Mundo de Rugby este ano e as Olimpíadas no ano que vem, preocupa também autoridades estrangeiras. Vários países aconselharam seus cidadãos a não viajar para as áreas afetadas pelos distúrbios.
A violência e a raiva dos jovens dos bairros populares lembram os distúrbios que abalaram a França em 2005, após a morte de dois adolescentes perseguidos pela polícia. Naquele ano, o balanço de três semanas de protestos foi de aproximadamente 10 mil veículos destruídos, mais de 200 edifícios públicos incendiados e 5.200 pessoas detidas.
Os distúrbios recentes são protagonizados por jovens dos chamados “quartier chaud”, ou “bairros quentes” — a idade média dos detidos é de 17 anos, e alguns têm até 13, vindos de locais repletos de conjuntos de habitação social que concentram as camadas mais vulneráveis do país.
O francês Geoffrey Ditta, 35, especialista em geopolítica e professor da Universidade de Nebrija, em Madri, disse à Folha que os protestos têm potencial para se estender por semanas e simbolizam a raiva de jovens contra Estado.
*Com AFP e Reuters