Primeiro helicóptero do Talibã voa em parada militar com armas dos EUA
Aparelho sobrevoou uma parada militar
Uma das aeronaves mais simbólicas dos 20 anos de guerra liderada pelos Estados Unidos no Afeganistão, o helicóptero UH-60 Black Hawk fez nesta quarta (1º) sua estreia no primeiro voo oficial promovido pelo Talibã.
O aparelho, 1 dos 42 do tipo da Força Aérea Afegã, sobrevoou uma parada militar com equipamento americano apreendido das forças derrotadas do governo de Ashraf Ghani em Kandahar.
A cidade, capital espiritual do Talibã, foi escolhida pelo grupo para a demonstração, uma espécie de desfile da vitória pela conquista do país no dia 15 de agosto. Os americanos finalizaram sua retirada na segunda (30).
O Black Hawk talibã carregava a bandeira do grupo, branca com a oração central do islamismo, a shahadah (“Não há deus senão Alá, e Maomé é seu profeta”), escrita em preto. Na véspera, o aparelho havia sido filmado com uma pessoa, não se sabe se viva ou morta, pendurada.
Para todos os efeitos, sua estreia foi na parada, na qual desfilaram jipes Humvee, caminhões blindados e diversas camionetes –o veículo predileto dos talibãs, pois garante mobilidade e acesso ao difícil terreno do Afeganistão.
O voo causou surpresa a analistas militares porque o Talibã é conhecido por nunca ter tido um piloto habilitado, mesmo nos cinco anos em que esteve no poder (1996-2001) e herdou os destroços da antiga Força Aérea Afegã.
Mais que isso, nos últimos dois anos o grupo promoveu uma campanha de assassinato de pilotos e de seus parentes, causando diversas deserções.
O mais provável é que o grupo tenha cooptado ou forçado um ou dois pilotos a voar a máquina. Obviamente, é um feito simbólico: operar uma Força Aérea requer bem mais do que aviadores.
A manutenção de equipamento sofisticado sempre foi um problema para a Aeronáutica afegã, montada a partir de 2010 com incentivo e armamento americanos. Sua estrela era o avião de ataque leve brasileiro Embraer A-29 Super Tucano.
Quando a vitória talibã sobre o desmoralizado Exército afegão se mostrou inevitável, já com 95% das forças ocidentais fora do país, pilotos começaram a fugir do país rumo ao Uzbequistão. O temor era grande: 7 dos 30 pilotos de Super Tucano formados nos EUA haviam sido executados.
Uma esquadrilha de 46 aeronaves, talvez 14 Super Tucano inclusos, voou para o vizinho. Um dos aviões brasileiros caiu após chocar-se com um caça MiG-29 uzbeque ou ser abatido, a depender da versão.
Ninguém sabe qual será o destino da frota –os EUA gostariam de ver os A-29 devolvidos, já que foram doações aos afegãos, e o Talibã também os requisitou.
Ficaram para trás, segundo essa conta, 9 outros aviões que estavam em ação. Um deles foi visto intacto numa fotografia tirada em Mazar-i-Sharif, e outros 8 foram desmantelados parcialmente pelos americanos no aeroporto de Cabul.
Eles fazem parte do inventário de 73 aeronaves destruídas ou inabilitadas para voo pelos EUA antes do fim da retirada. Estavam com sensores de ataque arrancados, pedaços de seus painéis, danos nos motores.
O cemitério de carcaças incluía também 1 dos 4 cargueiros C-130H Hércules operados pelos afegãos e também 5 grandes helicópteros bimotores CH-46 Sea Knight pertencentes aos americanos, além de outras aeronaves como helicópteros Airbus MD-350. Sem softwares de controle de voo e uso de armas, os aparelhos são inúteis.
Mas, como o show talibã desta quarta mostrou, algo ficou para trás poderá ter utilidade por algum tempo. Isso se a China, que tem prometido apoio ao grupo, não der assistência técnica, talvez com suporte dos paquistaneses –aliados tanto de Pequim quanto do Talibã.
Os chineses operam um número limitado de helicópteros S-70, a versão civil do Black Hawk, e fizeram uma cópia própria do aparelho.
Antes do fim da guerra, já havia pouca disponibilidade de aeronaves para os afegãos, mas no papel eles tinham respeitáveis 100 helicópteros, além dos Super Tucano, versões armadas do Cessna Caravan e até drones. Ao todo, eram 211 aeronaves, 167 delas com alguma condição de voo.
No médio prazo, o resto do butim deixado pelos americanos para o antigo governo afegão deverá ser de maior serventia. Segundo o mais recente relatório do inspetor-geral dos EUA para o país, em duas décadas foram investidor US$ 82,9 bilhões nas forças de segurança do país.
Isso incluía coisas bem úteis para o cotidiano talibã: 900 caminhões blindados, 22 mil Humvees, 43 mil picapes Ford Ranger e outros. E 600 mil fuzis de assalto, fora milhões de balas, além de peças de artilharia.
Psicologicamente, contudo, há o fator de que o Talibã se tornou o primeiro grupo fundamentalista islâmico a ter acesso a aeronaves desde que os mulás tomaram o poder no Irã, em 1979.
O equipamento sofisticado conta. Associado a ações americanas mundo afora, o Black Hawk ocupa um lugar no imaginário pop: a derrubada de um deles na Somália virou filme de Ridley Scott (“Black Hawk Down”, “Falcão Negro em Perigo” na versão brasileira). Ele é usado em 31 países, inclusive o Brasil.
O grupo rebelde Tigres Tâmeis, que dominou partes de Sri Lanka numa guerra civil de 1976 a 2009 e apelava ao terrorismo com frequência, se gabava de ter uma Força Aérea. Mas ela nunca passou de cinco monomotores dos quais bombas eram jogadas manualmente e um helicóptero.
Hoje, o uso de drones primários é mais difundido. Eles são usados por grupos extremistas islâmicos e nacionalistas na Síria e pelos rebeldes xiitas houthis, apoiados pelo Irã no Iêmen.
Texto: Igor Gielow