Polícia do Canadá investiga homem suspeito de ligação com 100 suicídios

Kenneth Law é acusado de operar empresas que enviaram 1.200 pacotes de sal tóxico para pessoas em 40 países

Autoridades no Canadá e no Reino Unido investigam ao menos 100 mortes por envenenamento tratando-as como suicídios relacionados aos negócios online de um homem canadense acusado de vender um sal tóxico.

Kenneth Law, 57, de Mississauga, uma cidade a oeste de Toronto, é acusado de operar um grupo de empresas que enviou cerca de 1.200 pacotes da substância para pessoas em 40 países, atendendo a pedidos feitos em seu site.

As autoridades canadenses o acusam de ajudar 14 pessoas a cometer suicídio, um número que pode aumentar à medida que as investigações sobre os negócios de Law continuam no Canadá e no Reino Unido.

No Canadá, onde os investigadores dizem que Law enviou 160 pacotes, ele foi acusado por várias agências policiais de Ontário de aconselhamento ou auxílio ao suicídio. As vítimas tinham entre 16 e 36 anos.

O Reino Unido investiga as mortes de 88 das 272 pessoas no país que compraram nitrito de sódio —um sal usado como conservante de alimentos— no site de Law, diz um porta-voz da Agência Nacional de Crimes do Reino Unido.

Law, que ainda não foi julgado, compareceu ao tribunal na quarta-feira (27), com a próxima audiência marcada para o dia 31 de outubro. Ele está detido em uma prisão em Ontário.

Segundo seu advogado, Matthew Gourlay, o caso é uma “aplicação inovadora da lei” e seu cliente vai se declarar inocente.

“Não temos conhecimento de nenhuma acusação semelhante no Canadá”, diz Gourlay. “Nossa posição é que nenhuma das condutas alegadas contra Law —que, para ser claro, não é admitida— se enquadra de modo válido na proibição criminal.”

As acusações contra Law surgem em um momento em que o Canadá debate um afrouxamento de sua lei federal de suicídio assistido, o que tornou a política do país uma das mais liberais do mundo. Desde 2021, o Canadá permite a morte assistida para pessoas que sofrem de uma dolorosa condição crônica, mesmo que essa condição não seja terminal.

Ainda assim, a lei exige que pessoas com doenças terminais, quando solicitam a morte assistida sejam avaliadas por um médico ou enfermeiro e sigam outras regras antes de serem autorizadas a morrer. Esses profissionais estão isentos de acusações criminais de aconselhamento ou auxílio ao suicídio, que têm pena máxima de 14 anos de prisão.

“Sejamos claros de que não toleraremos ações criminosas por parte daqueles que se aproveitam de pessoas vulneráveis em nossas comunidades e responsabilizaremos os responsáveis”, afirmou o inspetor Simon James, da Polícia Regional de York, que participou da investigação canadense, em uma entrevista coletiva no mês passado.

A polícia de Thunder Bay, uma cidade no noroeste de Ontário, acredita que Ashtyn Prosser está entre aqueles que compraram produtos de Law. Ele morreu em março, um mês antes de completar 20 anos, diz sua mãe, Kim Prosser.

“A única coisa que poderia mudar quem eu sou, no meu âmago, seria perder um filho”, disse Prosser, acrescentando que seu filho enfrentou problemas de saúde mental durante a pandemia.

Seu antebraço esquerdo é estampado com um desenho de três pássaros, feito por Ashtyn, que se juntou a ela e a seu irmão, Drake, para fazer as tatuagens combinando no último Natal.

Autoridades de outras províncias e países se juntaram à extensa investigação sobre Law, que vende os produtos online desde o final de 2020, segundo as investigações.

A polícia de Montreal anunciou neste mês que alguns pacotes foram enviados para endereços em Thunder Bay, levando os investigadores a fazer um apelo público para que os destinatários e outras pessoas com informações se apresentem.

Em Calgary, no oeste do Canadá, as autoridades aguardam os relatórios finais de toxicologia relacionados à apuração de duas mortes que podem estar ligadas a Law, de acordo com o serviço de polícia da cidade. Pelo menos seis investigações em andamento na Colúmbia Britânica foram desencadeadas por informações de outras forças policiais, disse o sargento Kris Clark da Polícia Montada do Canadá, sem especificar se todos esses casos estão relacionados a mortes.

A polícia nacional da Irlanda também investiga casos depois que “um pequeno número” de “mortes súbitas” foi identificado durante verificações de assistência social em endereços fornecidos pelas autoridades canadenses, afirma um porta-voz por e-mail.

Law foi preso em maio e acusado em dois casos, e outras 12 imputações foram apresentadas em agosto. Law trabalhava como cozinheiro no Fairmont Royal York, um hotel de luxo no centro de Toronto, de acordo com seu sindicato, Unite Here. Kevin Abels, um organizador sindical, diz que Law foi demitido pelo hotel. O Fairmont não respondeu a pedidos de comentário.

Os suicídios pelos quais Law é acusado ocorreram depois de 2020, quando a polícia acredita que ele começou a operar os negócios online. Mas além das acusações contra ele, especialistas em saúde em Ontário dizem que já haviam observado aumento nos suicídios com uso de sal tóxico.

A província de Ontário registrou 25 casos de envenenamento intencional usando sais tóxicos, a maioria entre 2018 e 2020, disse Tyler Hickey, patologista forense do serviço de patologia forense de Ontário, que ajudou a detectar o grupo.

A Health Canada, a agência que regula o nitrito de sódio, que é um aditivo alimentar comumente utilizado, iniciou uma revisão dos efeitos da substância na saúde há cerca de dois anos.

Em resposta ao que chama de “tendência preocupante” de pessoas ingerindo as substâncias para se prejudicarem, a agência ajudou a criar diretrizes, publicadas em novembro de 2021, para hospitais que tratam o método de envenenamento, diz André Gagnon, porta-voz da agência de saúde.

A polícia afirma que os sites usados por Law para vender seu produto foram retirados do ar. Prosser acredita que seu filho, que amava computadores a ponto de construir o próprio aos 13 anos, procurou fóruns online para acessar a substância que ele usou em sua morte.

Prosser não acompanha o caso criminal de Law, mas trabalha na criação de uma organização sem fins lucrativos de saúde mental em memória de seu filho.

“Eu não o culpo pela morte do meu filho. Eu não culpo ninguém pela morte do meu filho”, diz ela, acrescentando entre lágrimas: “Será que poderia ter feito algo diferente ou poderia ter feito mais, e talvez ele ainda estivesse aqui? Como mãe, acho que você nunca pode evitar essa pergunta, e entendo como seria fácil culpar outra pessoa.”

SE PRECISAR DE AJUDA PSICOLÓGICA, ENCONTRE EM:

Rede de Apoio Solidário:
https://mapasaudemental.com.br/atendimento-online-para-todos-os-publicos/

CVV (Centro de Valorização da Vida)
Telefone gratuito: 188
www.cvv.org.br

Sair da versão mobile