Polícia bloqueia ruas durante protesto contra proibição de bloqueio de ruas na Argentina
O clima de tensão prévio e a ostensiva presença das polícias fizeram com que, horas antes, seus líderes mudassem o trajeto e a manifestação se diluísse por mais de uma via
No primeiro protesto em que Javier Milei prometeu impedir o bloqueio de ruas na Argentina, quem fechou as passagens foi a polícia. Grande parte do primeiro ato de movimentos sociais e sindicatos contra seu governo, nesta quarta (20), deu-se com manifestantes nas calçadas e policiais nas vias.
O evento em Buenos Aires era considerado um teste do novo protocolo de segurança do governo, que anunciou tolerância zero e corte de benefícios sociais aos chamados “piqueteiros”, conjunto de organizações que usam a obstrução de ruas como principal forma de protesto desde a década de 1990 no país.
Um dos porta-vozes é o Polo Obrero (polo operário, em português), grande grupo composto por trabalhadores desempregados ou de baixa renda.
O clima de tensão prévio e a ostensiva presença das polícias fizeram com que, horas antes, seus líderes mudassem o trajeto e a manifestação se diluísse por mais de uma via. O ato durou cerca de duas horas e terminou nos entornos da famosa Praça de Maio, mas sem ocupar grande parte dela.
Depois, quando as forças já haviam se retirado, uma parte do grupo que permaneceu na região, puxada pelo PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas), voltou pela grande avenida de Maio e bloqueou brevemente a passagem de veículos na avenida 9 de Julho. Logo depois, porém, foi dispersada em poucos segundos pelos organizadores.
Uma operação policial havia se espalhado por estações de trem e pelo centro de Buenos Aires desde o início da tarde. Circularam vídeos de agentes revistando ônibus, já que o protocolo incluía deter pessoas com objetos contundentes ou que cobrissem o rosto nos meios de transporte.
Quando a marcha começou a andar por dois principais caminhos, por volta das 16h, os agentes formaram fileiras para indicar aos manifestantes que seguissem pelas calçadas. A essa altura, porém, boa parte da região já estava fechada para a circulação de carros pela polícia.
O clima também era de fim de semana. Muitos portenhos já estão de recesso de fim de ano, não foram trabalhar presencialmente ou evitaram a zona, sabendo que poderia haver confusões.
No geral, o protesto caminhou até a Casa Rosada de maneira pacífica e sem grandes incidentes. Houve ao menos dois episódios em locais distintos com corre-corre, enfrentamento com a polícia e gás de pimenta, mas foram breves.
Duas pessoas foram presas por desacato e agressão às autoridades nesses pontos, segundo a imprensa argentina. A Folha também presenciou uma discussão entre um manifestante e um homem que passou criticando o protesto. “Você quer voltar a 2001?”, dizia o primeiro.
Isso porque um fator simbólico adicionou ainda mais pressão ao evento: o protesto aconteceu no mesmo dia em que, 22 anos atrás, um caos social tomou a Argentina e terminou com estimados 39 mortos, incluindo uma repressão violenta na mesma Praça de Maio. O então presidente Fernando de la Rúa renunciou e deixou a sede do governo de helicóptero.
Todos os anos um ato marca a data, mas este ganhou força e somou diversas organizações contra o governo de Milei e seus anúncios de duros cortes de gastos públicos, com o objetivo de acabar com o déficit fiscal e frear a galopante inflação no país, que atingiu os 161% anuais em novembro.
O novo protocolo do presidente contra os “piquetes” divide os argentinos: uma grande parte da população se irrita com os frequentes bloqueios de rua, enquanto outra defende o direito à manifestação acima da liberdade de circulação.
“Eu gosto de trabalhar, não sou como esses aí”, dizia uma mulher de passagem pelo ato, reclamando que não abriu seu comércio nesta quarta porque os funcionários não conseguiriam chegar para trabalhar.
“Eles ficam incitando as pessoas a bloquearem as ruas”, afirmava, indignada, a funcionária de uma padaria na região.
Milei acompanhou o evento da central da Polícia Federal ao lado de sua ministra da Segurança, Patricia Bullrich, e de sua irmã Karina, secretária-geral da Presidência. A intenção era demonstrar apoio aos agentes policiais. Pouco depois, o ultraliberal anunciaria em rede nacional um “megadecreto” de desregulação da economia que revoga ou modifica milhares de leis.
Dois dias depois de assumir, ele acabou com o controle de preços e desvalorizou fortemente o peso, o que causou uma onda de remarcações de preços em comércios e serviços e fez o poder de compra da população derreter ainda mais, dessa vez de forma repentina.
Ele também disse que vai suspender todas as obras públicas, reduzir subsídios de energia e transporte a partir de 1º de janeiro, enxugar repasses às províncias e aumentar temporariamente impostos a importações e exportações. Ao mesmo tempo, subirá os valores de benefícios sociais aos mais pobres, que prometeu cortar a quem bloqueasse as ruas.