Passe para entrar em bar e vacina obrigatória viram armas contra variante delta na Europa
O texto aprovado nesta segunda (26) na França torna a vacinação obrigatória
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Com um acordo fechado após três dias de debate no Congresso, a França entrou na madrugada desta segunda (26) para a lista de países europeus que restringem atividades para os não totalmente vacinados contra Covid-19 –ou, em alguns casos, para os que não apresentarem ao menos um teste negativo para o coronavírus.
As restrições, já adotadas em Portugal, Itália, Grécia, Malta e Dinamarca e alguns estados alemães, entre outros, tentam conter o avanço da variante delta, que se tornou predominante na Europa.
O mutante aparece em 100% dos sequenciamentos feitos na Inglaterra, mais de 90% na Espanha, em Portugal e na Itália, 83% das amostras alemãs e 66% das francesas, segundo dados desta segunda.
O texto aprovado nesta segunda na França torna a vacinação obrigatória para profissionais de saúde –os que se recusarem terão o salário suspenso.
Também exige um certificado de saúde (vacinação completa ou teste negativo para coronavírus) para frequentar bares, restaurantes e outros lugares públicos –empresas que não cobrarem o comprovante podem perder a licença de funcionamento.
Prefeituras poderão impor a exigência também em centros comerciais, e, a partir de 30 de setembro, a regra valerá inclusive para adolescentes de 12 a 17 anos.
O objetivo é combater a transmissão da variante delta de duas formas: reduzindo os contatos e incentivando a imunização, desacelerada nas últimas semanas pela menor adesão dos mais jovens e pelo ativismo antivacinas.
Mesmo antes de aprovado pelo Congresso, o plano anunciado por Macron já havia feito dobrar a procura por imunização, efeito que também aconteceu na Itália, onde medida semelhante foi anunciada na semana passada.
“A variante delta é ainda mais ameaçadora do que as outras, e, sem vacinas, tudo terá que fechar novamente”, disse o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, ao justificar a iniciativa.
Segundo pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, o mutante é cerca de 60% mais transmissível que a variante alfa, que, por sua vez, é 60% mais transmissível do que o coronavírus original, identificado na China.
Isso quer dizer que, enquanto 10 pessoas infectadas com o vírus original poderiam passá-lo a outras 25, quem contrai a variante delta pode transmiti-la a mais de 60 pessoas, dizem os cientistas, uma capacidade de contágio que é mais que o dobro da registrada no início da pandemia.
É por isso que os governos querem incentivar a imunização dos mais jovens, justamente os que mais circulam e, por isso, aceleram a transmissão. São eles também os que menos completaram as doses necessárias de vacina.
A porcentagem de vacinação completa na faixa etária de 18 a 24 anos varia muito na Europa, segundo o ECDC (centro de controle de doenças). Chega a 70% na Dinamarca e na Bélgica, mas só a 12% em Portugal e a 23% na Espanha.
Na França, 56% dos jovens desse intervalo tomaram todas as doses, e são eles justamente os que mais rejeitam as restrições impostas pelo governo.
De acordo com uma pesquisa do instituto Ifop publicada no final de semana, 51% dos que têm menos de 35 anos (contra 35% na média dos franceses) apoiaram protestos contra o plano de Macron, que reuniram mais de 160 mil pessoas neste final de semana, segundo o governo.
Na Inglaterra, o primeiro-ministro Boris Johnson levantou na semana passada a hipótese de pedir prova de vacinação para a entrada em casas noturnas, mas houve reação principalmente do Partido Conservador, do qual ele faz parte.
A Itália, que tem uma porcentagem semelhante à do Reino Unido de jovens totalmente vacinados (56% entre os italianos, 58% entre os britânicos), nem reabriu as boates.
Pelo novo plano de Draghi, a partir de 5 de agosto a entrada em estádios, museus, teatros, cinemas, centros de exposições, piscinas, ginásios e bares e restaurantes fechados só será permitida com o “passe verde”.
O governo deve reavaliar em setembro uma proposta de exigir o certificado para viagens dentro do país, por trem, avião ou ônibus.
Uma das populações mais atingidas pela primeira onda de Covid, os italianos têm resistido menos a novas restrições. O que não elimina protestos, principalmente da ultradireita.
Giorgia Meloni, líder do partido eurocético e anti-imigração Irmãos da Itália, acusou Draghi de “enterrar o setor de turismo”, e Matteo Salvini, líder do nacionalista Liga (e no momento integrante do governo), afirmou que o passe faz sentido em estádios, mas não em restaurantes.
A ultradireita é também a voz antivacina mais estridente na França, principalmente nas campanhas de Florian Phillipot, ex-conselheiro de Marine Le Pen, líder do Reunião Nacional. Na Alemanha, o combate à vacina é assumido pela agremiação AfD (Alternativa para a Alemanha).
Na federação governada pela primeira-ministra Angela Merkel, essa decisão costuma ser tomada em nível estadual: alguns exigem atestado de vacinação ou teste negativo para coronavírus apenas na entrada de grandes eventos, enquanto outros restringem também o acesso a bares e restaurantes.
Mas também na Alemanha a questão ganhou contornos políticos nacionais, a poucas semanas das eleições parlamentares que vão definir em setembro o próximo premiê.
No domingo (25), Helge Braun, chefe de gabinete da primeira-ministra Angela Merkel, pôs lenha na fogueira ao afirmar que, “se a incidência for alta, as pessoas não vacinadas podem ter que reduzir seus contatos”.
Segundo ele, isso significaria que “o acesso a locais como restaurantes, cinemas ou estádios não seria mais possível para não vacinados, mesmo com teste negativo”.
Braun ressaltou que o número de novos casos de Covid cresce 60% por semana atualmente. “Se a variante Delta continuar a se espalhar nessa taxa e não a contivermos com vacinação ou mudança de comportamento, vamos chegar a setembro com 100 mil novos casos por dia”, afirmou.
O país não divulga dados de vacinação para quem tem de 18 a 24 anos. Na faixa mais ampla, de 18 a 64 anos, menos da metade (48,8%) haviam tomado todas as doses necessárias de imunizante –em geral, a porcentagem cai entre os mais jovens.
A Alemanha já adota exigências semelhantes ao exigir prova de imunização infantil contra algumas doenças, por exemplo, em matrículas escolares.
Armin Laschet, candidato à sucessão de Merkel pelo partido do governo (CDU-CSU) e atual líder das pesquisas de intenção de voto, se contrapôs às declarações de Braun, afirmando que que “liberdade civil deve valer para todos”. “Não acredito em vacinação obrigatória nem em pressão indireta sobre as pessoas para que se vacinem”, disse o político conservador.
Robert Habeck, co-presidente dos Verdes –sigla que é a principal rival da CDU na eleição—, fez por outro lado a distinção entre restrições e vacinação compulsória: “Ninguém deve ser obrigado. Mas não se pode exigir que os outros percam sua liberdade porque alguns não querem ser imunizados”.
O argumento é semelhante ao exposto por Macron no final de semana, quando rebateu as críticas a seu projeto. “Se você infectar seu pai, sua mãe ou me infectar, seremos vítimas de sua liberdade, embora você possa se proteger e aos outros. (…) Isso não é liberdade. Isso se chama ser irresponsável e egoísta”, disse ele no Taiti (Polinésia Francesa), onde está em viagem oficial.
A Espanha também não adotou regras nacionais, mas na Galícia é preciso apresentar certificado de imunização completa ou teste negativo para frequentar restaurantes ou hotéis. Medida semelhante foi adotada pela Irlanda nesta segunda.
Já a Grécia deu um passo além na semana passada e permitiu que o governo amplie a lista de profissões para as quais a vacinação é compulsória –por enquanto, funcionários do setor de saúde ou de residências de idosos devem se imunizar, e os que se recusarem são suspensos.
Na Bélgica, o certificado de vacinação será exigido em eventos acima de 1.500 participantes, a partir de 13 de agosto.
De forma geral, a maioria dos 30 integrantes da União Europeia e do Espaço Econômico Europeu não adota vacinação compulsória, nem mesmo para doenças que podem comprovadamente matar crianças.
Segundo levantamento da UE, 12 nações exigem a imunização contra algumas doenças –a relação varia entre eles.
Também não há consenso sobre qual política é mais eficiente: há membros com altas taxas de cobertura tanto entre os de vacinação voluntária quanto nos de compulsória.
Há países que adotam recompensas financeiras para pais ou profissionais de saúde que realizarem a imunização, ou sanções financeiras e restrições a matrículas para os que não se vacinaram.
A Organização Mundial da Saúde diz preferir “demonstrar o benefício e a segurança das vacinas, para sua maior aceitação possível, em vez de impor requisitos obrigatórios”.