Operação Bola de Futebol leva jogadoras do Afeganistão para Portugal

As jovens, a maioria com idades entre 14 e 16 anos, chegaram a Lisboa

Após mais de um mês em fuga, com tentativas frustradas de resgate e sucessivas mudanças de esconderijo, as jogadoras da seleção juvenil de futebol do Afeganistão estão em segurança em Portugal.

As jovens, a maioria com idades entre 14 e 16 anos, chegaram a Lisboa junto com suas famílias. As cerca de 80 pessoas do grupo foram acolhidas como refugiadas pelo governo português, que fez parte da coalizão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que ocupou o território afegão.

“Estou livre. Não há sensação melhor”, diz, sorrindo, Sara, 15, em sua primeira visita à Torre de Belém, um dos cartões-postais da capital. Cheia de planos, ela diz querer treinar para jogar “tão bem quanto Cristiano Ronaldo”, sem descuidar dos estudos. “Quero ser uma grande empresária, uma mulher de negócios.”

Questionada se deseja regressar ao Afeganistão um dia, Sara, que está em Portugal com a irmã e os pais, afirma que só volta ao país natal se as mulheres tiverem os seus direitos garantidos.

À reportagem Sabire, mãe da jovem, pediu que o sobrenome da família não fosse divulgado. “Infelizmente, ainda temos muitos parentes que não conseguiram escapar. Temo que haja represálias”, explica.

A operação de resgate, batizada de Bola de Futebol, começou a ser gestada há vários meses, assim que a volta do grupo extremista Talibã ao poder ficou evidente. Símbolo de libertação e empoderamento das mulheres, as jovens jogadoras de futebol eram consideradas um alvo óbvio para os fundamentalistas.

A ideia era garantir que elas deixassem o país antes de 31 de agosto -data limite definida pelos EUA para a retirada de suas tropas. A queda acelerada do governo e o atentado terrorista no acesso ao aeroporto, entretanto, impediram a concretização do plano, que contou com vários parceiros internacionais, com participação intensa de Farkhunda Muhtaj, capitã da seleção adulta de futebol do Afeganistão.

De sua casa em Toronto, no Canadá, onde reside e trabalha como técnica assistente em uma escola, ela se comunicava todos os dias com as jovens. Em sessões via Zoom, tentava manter as meninas motivadas, passando lições de casa e treinos de condicionamento físico. “Elas foram muito corajosas, umas guerreiras. Tiveram que confiar cegamente em mim em alguns momentos”, diz a atleta.

Por motivo de segurança, as jovens só souberam que estavam a caminho de Portugal quando já estavam no voo especial que as levou do Afeganistão à Europa. A saída, que contou com a participação de oficiais de inteligência dos Estados Unidos e de outros países, foi acordada com o Talibã.

Referência profissional para as jogadoras, Muhtaj chegou a Portugal de surpresa para encontrá-las. A reunião, na região de Belém e organizada pela ONG DeliverFund, que participou do resgate, teve gritos de euforia e lágrimas das jovens e dos familiares no momento em que recepcionaram a capitã da seleção.

“As meninas foram acolhidas pela Federação Portuguesa de Futebol, que vai analisar como elas estão em termos físicos. O plano é tentar encaixá-las em times que correspondam a seus níveis”, diz Muhtaj, que comandou um treino físico com o grupo na quinta (30/9) em Odivelas, na região metropolitana de Lisboa.

O evento foi o primeiro contato das jogadoras com o futebol em mais de seis meses. Em razão da deterioração das condições de segurança, a seleção já havia sido obrigada a suspender suas atividades.

Antes das atletas juvenis, o time principal de futebol feminino do Afeganistão também precisou fugir às pressas do país. Embora tenha afirmado publicamente que pretende adotar posições mais moderadas em relação às mulheres, o Talibã já restringiu uma série de direitos, impondo um código rigoroso de vestimenta e praticamente inviabilizando o acesso feminino à educação e ao mercado de trabalho.

Em Portugal, o desafio das jovens e de suas famílias é de integração ao país. A maior parte do grupo não fala inglês, comunicando-se apenas em farsi. Dizendo-se animada pela possibilidade de reconstruir a vida na Europa, a jogadora Sadaf Sharif Zada, 16, pede que o mundo não se esqueça das atrocidades cometidas pelo grupo fundamentalista que voltou a dominar seu país.

“Quero que o mundo tente não aceitar o governo do Talibã. Se vocês fizerem isso, estarão destruindo o desejo e os sonhos de todas as mulheres do Afeganistão.”

Por Giuliana Miranda 

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