ONU diz que Covid-19 gerou a pior crise sistêmica do planeta desde sua fundação
Relatório defende reforço de sistema de proteção social para minimizar desigualdades
Documento elaborado por órgãos da ONU (Organização das Nações Unidas) afirma que a pandemia do novo coronavírus gerou a pior crise sistêmica do planeta desde a sua fundação, em 1945, com ampliação das desigualdades e deixando a população vulnerável em situação mais crítica.
O relatório diz que o choque econômico causado pela crise sanitária afetou consumo, investimento e produção.
O organismo defende um reforço do sistema de proteção social, incluindo programas de transferência de renda, cobertura de saúde e acesso a serviços básicos.
Publicado nesta quarta-feira (29/9), o documento “Covid-19 e Desenvolvimento Sustentável” foi produzido pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a Opas (Organização Pan-americana da Saúde).
“Considerada a pior crise sistêmica já vivida no planeta desde a criação das Nações Unidas, a pandemia da Covid-19 vem atingindo a população mundial de forma desproporcional, aprofundando desigualdades e, consequentemente, tornando mais distante o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, diz o relatório.
Segundo o documento, o mundo está retrocedendo em relação aos 17 objetivos, que buscam ações para reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Entre os pontos perseguidos, estão a redução da fome, agricultura sustentável, trabalho decente, crescimento econômico, redução das desigualdades e consumo responsável.
O plano da ONU é que esses objetivos, agora considerados mais distantes, sejam alcançados até 2030.
A tendência, aponta o relatório, é de uma queda do índice de desenvolvimento humano global para 2020, como resultado da pandemia. Os dados para o ano passado ainda não foram divulgados.
“Os mais vulneráveis -países e populações- têm maior dificuldade de recuperação e o cenário, já complicado para muitos (como efeito da crise econômica de 2008), tornou-se ainda mais crítico, já que muitos recursos precisarão ser mobilizados para socorrer as vítimas diretas e indiretas da doença”, diz.
No Brasil, o documento destaca que embora tenham sido registrados importantes progressos de desenvolvimento nas últimas décadas, a pandemia atingiu sobretudo a população mais frágil, evidenciando as diferenças de acesso a recursos como a rede de proteção social, serviços públicos de saúde, acesso ao emprego e à renda e moradia adequada.
Os autores afirmam que a experiência de crises sanitárias anteriores mostra que é fundamental priorizar investimentos na área social mesmo em períodos de recessão econômica.
“À medida que os governos trabalham para proteger a população da Covid-19, eles devem proteger os investimentos em todos os serviços sociais e garantir o uso eficiente de seus recursos para manter a prestação dos serviços”, diz.
O documento afirma que a proteção social será uma ferramenta fundamental para ajudar as famílias a se manterem ativas no curto prazo, além de combater a desigualdade de forma mais ampla.
O governo brasileiro passa, no momento, por um debate sobre como reforçar ações sociais em meio a restrições orçamentárias.
Em abril deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o governo federal terá que implementar a partir de 2022 um programa de renda básica nacional. O benefício deverá abranger toda população que esteja em situação de extrema pobreza, com renda pessoal inferior a R$ 178 mensais.
A medida também é uma das prioridades do governo, que busca uma vitrine para as eleições do ano que vem. Hoje, o valor médio do Bolsa Família é de aproximadamente R$ 190 mensais por família. O presidente Jair Bolsonaro defende que o benefício seja ampliado para pelo menos R$ 300.
O custo do novo programa passaria dos atuais R$ 35 bilhões para quase R$ 60 bilhões. No entanto, as contas federais estão comprimidas pela regra do teto, que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.
Nesse cenário, o governo trabalha para turbinar o Bolsa Família a partir da votação de três propostas no Congresso.
Será necessário aprovar a MP (medida provisória) que reformula o programa, rebatizado de Auxílio Brasil, e a proposta que limita gastos com precatórios –dívidas do governo reconhecidas pela Justiça.
Além disso, o governo ainda precisa aprovar a reforma do Imposto de Renda, com a taxação de dividendos, que será usada como fonte de compensação para essa nova despesa, uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal.
No documento, o Sistema ONU afirma que os governos precisam de espaço fiscal para investir em programas sociais. Sem dar sugestão específica para o Brasil nesse tópico, o organismo defende a paralisação de dívidas de países vulneráveis para gerar um alívio nas contas.
O relatório faz uma série de recomendações para que os países alcancem o desenvolvimento e minimizem efeitos da pandemia. Entre elas, maximizar a relação entre os entes federativos e fomentar a cooperação entre o governo e o setor privado.
Sugere ainda uma “busca por garantias aos princípios democráticos” e fortalecimento da cooperação entre os três Poderes.
O texto não faz menção a Bolsonaro, que protagonizou atritos com outros Poderes e deu sugestões golpistas nos últimos meses.
O documento ainda defende que seja dado foco a uma reforma tributária, inclusão financeira e ao trabalho formal. Também propõe que haja incentivos à economia verde.
“O Brasil precisa criar uma recuperação que ‘reconstrua melhor’, o que significa não só recuperar de imediato as economias e os meios de subsistência, mas também salvaguardar a prosperidade a longo prazo”, afirma.
“Para isso é necessária uma nova geração de políticas públicas e transformações sociais que facilitem a transição para uma sociedade menos desigual, mais resiliente e com impactos controlados sobre a natureza”, conclui o documento.
Por Bernardo Caram