Novos ataques do Taleban em Cabul levam terror a moradores e autoridades
No fim de semana, os talebans promoveram a maior ofensiva em alguns anos, com ataques coordenados a três capitais provinciais
Dois ataques a bomba seguidos contra alvos do governo em Cabul disseminaram o terror entre moradores e funcionários do governo afegão, que temem a chegada da ofensiva do Taleban em todo o país à capital do Afeganistão.
“Estamos apavorados”, disse, por e-mail, o assessor do Ministério das Relações Exteriores Mohammed, 43, que pede para não ter o nome completo divulgado. “A gente sabe o que vai acontecer se eles chegarem aqui, veja Spin Boldak”, afirmou.
Ele se refere ao massacre de 40 pessoas na cidade fronteiriça com o Paquistão, denunciado pelos governos dos EUA e do Reino Unido como um crime de guerra: as vítimas foram acusadas de colaboracionismo com forças ocidentais em retirada e executadas.
Como não é segredo que o Taleban considera todo a administração do presidente Ashraf Ghani marionete dos EUA, o medo de Mohammed é compreensível. Ele considera ponderações de que o Taleban aceitou a adesão de funcionários do governo ao tomar o poder em 1996 pouco tranquilizadoras.
“Eles são outra coisa agora, muito mais ferozes, ligados ao Estado Islâmico e outros grupos”, disse, repetindo o que o próprio Ghani afirmou em discurso na segunda (2/8), no qual o governante também culpou os EUA pela crise.
A crise atual decorre da saída de forças dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais do país, anunciada em abril e que acaba no próximo dia 31.
O acordo foi negociado com o Taleban, que moderou relativamente seus ataques durante o processo de paz no ano passado, mas voltou à ofensiva assim que os EUA não cumpriram o prazo inicial acertado, em maio.
No fim de semana, os talebans promoveram a maior ofensiva em alguns anos, com ataques coordenados a três capitais provinciais. Em Lashkar Gah (sudoeste), moradores começaram a abandonar a cidade a pedido do Exército.
Na noite de terça (3), um carro-bomba explodiu na ultraprotegida área onde mora o ministro da Defesa afegão, Bismillah Mohammadi. Ele não foi atingido, mas oito pessoas morreram no ataque e nas quatro horas de tiroteio subsequentes, em ação que foi reivindicada pelo Taleban.
Mais três pessoas foram feridas nesta quarta (4/8), quando uma bomba explodiu perto da Diretoria Nacional de Segurança, a principal agência de inteligência do país. Os talebans ainda não assumiram a autoria, mas há pouca dúvida de seu envolvimentos.
O último grande ataque na cidade ocorrera em maio, quando 55 crianças morreram em atentado contra uma escola, mas distante das áreas mais protegidas por forças de segurança.
Assim, fica tênue a esperança de que todos sentassem à mesa para acertar uma volta pactuada do grupo ao poder que reteve até ser expulso a bombas pela invasão americana de 2001, decorrente do apoio que os talebans davam à Al Qaeda quando a rede de Osama bin Laden perpetrou os ataques do 11 de setembro daquele ano.
Salem trabalha na diplomacia afegã há uma década, em Cabul e em missões no exterior. Antes, era professor de inglês e espanhol, e foi indicado ao emprego pelo grupo do ex-chanceler Abdullah Abdullah, figura poderosa da política afegã.
Assim como Abdullah, Salem é ligado à etnia tadjique, do norte afegão, apesar de também ter sangue pashtun, o grupo do Taleban, por parte de mãe.
Casado, pai de dois filhos, ele diz que se os talebans de fato voltarem a Cabul, não sabe o que fazer. “O visto especial americano é para quem trabalhou para eles, o que não foi meu caso”, afirmou, sobre as novas regras que visam ajudar milhares de afegãos que serviram às forças ocidentais como intérpretes e assistentes.
Sob pressão e com a sombra de Spin Boldak crescendo, o governo de Joe Biden anunciou que irá facilitar o recebimento deles como refugiados. A questão é que o processo pode durar mais de um ano e quem quiser emigrar terá de fazê-lo com recursos próprios, o que complica bastante a situação.
Ainda assim, Salem guarda alguma fé na promessa de Ghani de que Cabul não cairá e que, em seis meses, a situação estará estabilizada. Na noite de terça, ele foi um dos moradores que foram às ruas de Cabul protestar contra o Taleban, logo depois do ataque ao complexo do ministro da Defesa.
“Não sei como seria se houvesse talebans na cidade, é claro”, admite. Nos anos do Taleban, ele dava aulas particulares, visto que o ensino de línguas havia sido virtualmente banido de escolas –que não aceitavam mulheres, um dos aspectos grotescos da leitura feita pelo grupo das leis islâmicas.
Matéria escrita por Igor Gielow