Morre Abdul Qadeer Khan, pai da bomba atômica do Paquistão
Cientista foi vítima da Covid-19 aos 85 anos. Ele era acusado de vender segredos nucleares
Morreu neste domingo (10/10) Abdul Qadeer Khan, o pai da bomba atômica no Paquistão, vítima da Covid-19 aos 85 anos. Admirado por muitos paquistaneses por ter tornado o país a primeira potência nuclear islâmica, AQ Khan, como era conhecido, foi acusado de vender segredos nucleares para o Irã, Coreia do Norte e Líbia. Ele estava internado desde agosto em tratamento da Covid.
“Estou profundamente triste com o falecimento do Dr. AQ Khan”, escreveu no Twitter o primeiro-ministro Imran Khan, destacando “sua contribuição crucial” para armar o país com bombas nucleares. “Para o povo paquistanês, ele era um ícone nacional.”
O cientista se tornou um herói nacional em maio de 1998, quando o Paquistão entrou oficialmente na lista das potências militares atômicas após fazer testes poucos dias depois da Índia, rival do país.
Em fevereiro de 2004, porém, ele foi colocado em prisão domiciliar em Islamabad, após ser acusado de distribuição ilegal de tecnologia na década de 1990. Khan confessou em entrevista na TV que havia vendido segredos nucleares para outros países, e disse que agiu sozinho e sem conhecimento das autoridades. O então presidente do país, o general Pervez Musharraf, perdoou Khan.
“Salvei o país pela primeira vez quando transformei o Paquistão em um Estado nuclear e o salvei novamente quando o reconheci e assumi total responsabilidade”, disse Khan à AFP em uma entrevista em 2008.
Analistas e até a ONU (Organização das Nações Unidas), porém, já disseram que a venda ilegal da tecnologia feita por Khan sobretudo para países sob sanção internacional criou a maior proliferação nuclear recente.
Em 2009, um tribunal ordenou o fim de sua prisão domiciliar, e Khan pôde deixar o palácio em que vivia em Islamabad com vista para o Himalaia e cercado de natureza. Mesmo após o fim da pena ele precisava informar as autoridades com antecedência sobre suas movimentações.
Mais tarde, Khan recuaria na confissão da venda ilegal de tecnologia e diria ter sido usado como bode expiatório. O governo paquistanês nunca deixou que investigadores internacionais interrogassem o cientista, sob o argumento de que ele já havia dado todas as informações sobre o caso, apesar das reivindicações de autoridades do Ocidente e da Agência Internacional de Energia Atômica.
Nascido em 1º de abril de 1936 na cidade indiana de Bhopal, 11 anos antes da divisão sangrenta do Império Britânico que resultou na separação entre Paquistão e Índia em 1947, Khan também comandou o programa de desenvolvimento de mísseis do país.
Ele se formou em ciências pela Universidade de Karachi em 1960 e completou a formação em Berlim, Holanda e Bélgica.
Sua principal contribuição para o programa nuclear do Paquistão foi o projeto de centrífugas, que enriqueciam o urânio a uma taxa de concentração adequada para armas.
Khan foi acusado de ter roubado essa tecnologia da Holanda, quando trabalhava no país para o Urenco, consórcio de empresas do setor nuclear. Após voltar ao Paquistão, o então primeiro-ministro Zulfikar Ali Bhutto o nomeou chefe do programa nacional de enriquecimento de urânio.
Em 1978, sua equipe conseguiu alcançar a tecnologia de enriquecimento do elemento químico e, em 1984, estavam preparados para detonar uma bomba atômica, revelou o cientista em entrevista anos depois.
Em um discurso em 1990, ele reconheceu que os elementos necessários foram adquiridos no exterior. “Não era possível fabricarmos tudo no país”, disse.
Depois dos primeiros testes atômicos em 1998, em resposta aos da Índia, afirmou que o país “nunca quis fabricar armas atômicas, mas se viu forçada a fazê-lo” pela necessidade de dissuasão.
Nenhuma das controvérsias nas quais se envolveu, porém, prejudicou sua grande popularidade no Paquistão, onde faculdades, universidades e hospitais levam seu nome e seu retrato ilustra pôsteres, objetos e páginas da web.