Itália resgata 1.500 migrantes na costa do país duas semanas após naufrágio que matou 74
Apesar de leis mais rígidas para conter fluxo, chegada de refugiados dobrou sob governo de Giorgia Meloni
O governo da Itália resgatou, neste sábado (11), mais de 1.500 refugiados que estavam em barcos na costa do país. A operação acontece duas semanas após 74 migrantes morrerem no naufrágio de um navio perto de Crotone, no sudoeste da nação europeia.
A guarda costeira italiana anunciou que uma de suas embarcações retirou 500 migrantes de um barco a mais de 160 quilômetros da costa e, posteriormente, os levou para a cidade de Reggio Calabria, no sul do país. Outras 379 pessoas foram resgatadas de um navio nas proximidades.
Um terceiro barco, esse de pesca, carregava 487 migrantes. Todos foram escoltados para o porto de Crotone. Por fim, autoridades locais disseram que 200 pessoas foram resgatadas de uma quarta embarcação na costa da Sicília e transportadas para Catânia.
“Os resgates foram complexos devido aos barcos sobrecarregados com migrantes e às condições desfavoráveis do mar”, disse a guarda costeira em um comunicado.
Mais de 17 mil migrantes chegaram à Itália desde o início do ano –nesta semana, foram cerca de 4.000. Em comparação, no mesmo período de 2022, o país recebeu 6.000 refugiados. O número só não é maior porque centenas de pessoas morreram, tentando cruzar o Mediterrâneo em direção à Europa; 300 só neste ano, segundo as Nações Unidas.
Os dados, além de evidenciarem a crise migratória no continente, pressionam o governo da primeira-ministra da Itália, a ultradireitista Giorgia Meloni. Ela assumiu o cargo em outubro, prometendo reduzir o fluxo de refugiados que chegam ao país, mas desde então a realidade tem sido o oposto das promessas.
Os resgates deste sábado, aliás, acontecem no mesmo dia em que autoridades italianas encontraram o corpo de uma jovem desaparecida desde o naufrágio em Crotone. Setenta e nove pessoas sobreviveram ao incidente, e outras 30 ainda estão desaparecidas –provavelmente mortas, segundo o governo. O navio partiu de Izmir, na Turquia, e carregava pessoas do Afeganistão, Irã, Paquistão e Síria.
Promotores italianos investigam eventual responsabilidade das autoridades italianas na tragédia. Isso porque a tragédia ocorreu dias após o Parlamento aprovar leis que limitam resgates feitos por organizações humanitárias no mar. De acordo com as novas regras, navios humanitários podem fazer apenas um resgate por saída e estão sujeitos a multas de até € 50 mil (R$ 259 mil) caso desobedeçam as medidas.
Críticos afirmam que a nova legislação aumenta o risco de mortes dos migrantes, uma vez que essas embarcações humanitárias costumavam navegar por dias a fio, concluindo vários resgates em seu curso.
Meloni, por sua vez, se adiantou ao fim das investigações e disse que a culpa pelo incidente é dos traficantes que operam no mar Mediterrâneo e providenciam os traslados dos imigrantes. Na quinta-feira (9), o governo italiano introduziu penas de prisão mais duras para esses criminosos e prometeu facilitar a migração legal.
Enrico Borghi, senador do Partido Democrata, de centro-esquerda, acusou o governo de incentivar a crise. “Eles acham que podem resolver um problema tão profundo por meio do do código criminal e de esforços falsos para parecer durão”, escreveu ele no Twitter. “O resultado: os desembarques triplicaram com o governo Meloni.”
Ainda neste sábado, a primeira-ministra emitiu um comunicado, dizendo que a única solução para conter o fluxo de migrantes na região está atrelada a um esforço conjunto dos países europeus.
A Itália é uma grande porta de entrada da Europa para requerentes de asilo que vêm do norte da África —mais de cem mil pessoas chegaram ao território de barco em 2022. O país se queixa, porém, que outros membros da União Europeia não dividem a responsabilidade de acolher esses indivíduos, mesmo que boa parte deles não permaneça na península e tente chegar a nações mais ricas por meio de contrabandistas.
Em novembro, a recusa da Itália em receber um navio com imigrantes a bordo provocou uma rusga diplomática com a França, porque a embarcação, que levava mais de 200 pessoas resgatadas por uma ONG, acabou rumando para o porto militar de Toulon depois de ficar dias à deriva na costa italiana. A atitude de Roma foi classificada de egoísta e incompreensível por Paris. De acordo com o Projeto de Migrantes Desaparecidos da Organização Internacional para as Migrações (OIM), braço da ONU para o tema, mais de 20 mil migrantes morreram ou desapareceram no Mediterrâneo central desde 2014.