Instalação subterrânea da Guerra Fria vira atração turística nos EUA
Local recebe cerca de 4.000 visitantes por ano a ingressos de US$ 10
Nas estradas que separam Bismarck, a capital da Dakota do Norte, de Cooperstown, há uma imensidão monótona de pradarias verdes e plantações de trigo. Tampouco há algo interessante para se ver na cidade de 900 habitantes a 200 km do Canadá. A não ser que você desça 20 metros abaixo da terra.
O elevador industrial é lento e leva quase dois minutos na descida. É como um túnel do tempo para 1966, ano em que a Oscar-Zero Missile Alert Facility, uma instalação militar da época da Guerra Fria, foi ativada. Por 31 anos, debaixo da paisagem bucólica, o local armazenou um sistema de controle de um arsenal muito mais destruidor que as bombas de Hiroshima e Nagasaki.
Na ponta dos dedos dos oficiais estava o acionamento de dez mísseis nucleares da frota Minuteman, enterrados pela região e prontos para ataque.
A informação parece ter saído de um filme de ficção científica, mas está bem documentada no espaço, hoje preservado pelo Ronald Reagan Minuteman Missile State Historic Site, que recebe cerca de 4.000 visitantes por ano a ingressos de US$ 10 (R$ 56, na cotação de sexta, 3).
Ao todo, os EUA enterraram mil mísseis nucleares em seu território, espalhados por sete estados do Meio-Oeste, os mais próximos da União Soviética. Os armamentos tinham 17 metros de comprimento, pesavam 32 toneladas e podiam atingir Moscou em 30 minutos via Polo Norte, a uma velocidade de 24.140 km/h.
“Os americanos têm uma ideia do que foi a Guerra Fria, mas não sei se sabem de fato desses detalhes”, diz Robert Branting, supervisor do Oscar-Zero. “São coisas que às vezes aparecem nos filmes. É parte do nosso trabalho promover e interpretar a grande história da Guerra Fria na Dakota do Norte.”
O estado com 780 mil habitantes recebeu o maior número de armas: 300 mísseis nucleares foram escondidos em meio a plantações de trigo e cevada, de terras compradas ou alugadas de fazendeiros.
Para os residentes, era algo patriótico. Em 1966, os EUA completavam 25 anos desde o episódio de Pearl Harbor, na Segunda Guerra, e quatro anos da crise dos mísseis cubanos. Além disso, os americanos comiam poeira na corrida espacial, após o lançamento do satélite Sputnik nove anos antes.
A fabricação do Minuteman começou nos anos 1950. Trouxe como avanço motores movidos a combustível sólido, que permanecem prontos para o lançamento por períodos mais longos. Daí o nome, inspirado em combatentes da Guerra de Independência, que ficavam a postos em um minuto.
Na Oscar-Zero Missile Alert Facility ficava o centro de controle de lançamento. São duas cápsulas cilíndricas protegidas por portas de segurança de seis toneladas, atulhadas de maquinário e computadores, como um set de filmagem de época. É também onde ficava a sala dos dois oficiais da Força Aérea responsáveis pela detonação, que trabalhavam em dupla em turnos de 24 horas.
“Após a rotina de treinamento e manutenção, havia muito tempo livre, e eles preenchiam com muita leitura e estudos”, afirma Branting. “A Força Aérea permitia que eles estudassem aqui para seus mestrados.”
A caneca branca do então capitão Warren Tobin ainda descansa na mesa de trabalho, com um painel cinza à frente repleto de botões e um telefone preto acoplado. Há também um caderno protegido por uma estrutura de acrílico e uma cadeira vermelha com um aviso de não sentar.
Uma caixa vermelha com dois cadeados, um dos quais doado por Tobin, fica em cima da mesa do primeiro em comando. Para detonar um míssil, os dois oficiais precisavam abrir os cadeados com suas respectivas chaves e acessar outras duas chaves dentro da caixa. As novas chaves teriam então de ser viradas ao mesmo tempo nos painéis de suas mesas, separadas para evitar que uma só pessoa fizesse o protocolo.
“Eles recebiam aulas sobre as consequências do lançamento de um míssil, então torciam para que o trabalho fosse bem monótono, para que nunca precisassem acionar nada. Tudo era muito rigoroso.”
O macacão de Tobin, assim como o de outros colegas, está pendurado na saída da cápsula, que tem um banheiro minúsculo e um espaço para descanso. Em caso de emergência, seria possível escapar por uma escotilha, com a ajuda de uma pá, já que o túnel seria preenchido de terra para bloquear invasores.
O veterano hoje mora a 100 km de Cooperstown. “Ambos os lados da Guerra Fria tinham a destruição mútua assegurada. Não dá realmente para vencer uma guerra nuclear. Ainda hoje é preciso estar pronto para que o outro saiba que você está pronto”, disse o veterano a um jornal regional.
Apesar do ambiente sóbrio, os soldados deram um jeito de trazer um pouco de cor ao local. Pintaram um mural numa placa de metal com uma águia americana de óculos escuros e o personagem Oscar, de “Vila Sésamo”, vestindo os uniformes azuis dos militares.
“Este é um trabalho para os melhores dos melhores”, diz o boneco. Há também uma pintura do Pernalonga de macacão, comendo uma cenoura na praia. Na superfície, a instalação tenta manter a decoração original. Os quartos possuem beliches, nos quais dormiam em escalas os dois times de guardas armados, um oficial administrador e um chefe de cozinha.
A sala de jogos tem uma mesa de sinuca e um computador com um monitor enorme. Na cozinha, um painel mostra as opções de refeição do dia, e os armários trazem comidas da época. No centro de comando da entrada estão duas metralhadoras falsas, e os turistas podem usá-las para tirar fotos.
A Oscar-Zero era apenas um dos 15 centros de lançamento distribuídos deste lado do estado, na base aérea de Grand Forks. Cada instalação cuidava de dez mísseis, colocados em câmaras subterrâneas individuais, afastados a uma distância de 8 km a 24 km. A 10 km do Oscar-Zero, bem perto da estrada e no meio de plantações, fica a marca do que sobrou da base November-33, onde descansava um Minuteman. O terreno está coberto de cascalho, cercado por uma grade e com portas misteriosas instaladas no chão.
Após um acordo de desarmamento em 1991, os mísseis começaram a ser desenterrados e destruídos e os centros de lançamentos, desativados. As terras foram devolvidas aos fazendeiros, e, hoje, muitos deles utilizam as antigas instalações para guardar maquinário ou estocar alimentos.
Mas a Dakota do Norte ainda é um centro importante do poderio nuclear americano. O estado é um dos cinco que abrigam uma nova geração de cerca de 400 mísseis Minuteman. É uma parcela pequena do arsenal de 5.000 ogivas nucleares dos EUA, 1.750 das quais prontas para uso em terra, mar ou ar.
Por Fernanda Ezabella