Gamers oferecem até R$ 10 mil por compra de ‘selo azul’ do Twitter
Na busca por credibilidade, estrangeiros procuram contas brasileiras com a marca de verificação
Gamers europeus e americanos oferecem US$ 2.000 (cerca de R$ 10,9 mil) em troca do selo azul, que identifica contas verificadas de usuários no Twitter. O objetivo é valer-se da marca e a credibilidade concedida por ela para compartilhar anúncios de games de NFT (sigla em inglês para tokens não-fungíveis).
Jogos de NFT têm se popularizado com a promessa de oferecer dinheiro com certa facilidade.
O selo azul é um atestado de notoriedade fornecido pelo Twitter para quem atua no governo, em veículos de comunicação, empresas e organizações, ou para quem é ativista ou um indivíduo influente para os padrões da rede social.
Para obtê-lo, é preciso comprovar uma dessas atuações, e a plataforma não cobra nada pela verificação.
Em nota, o Twitter diz que o selo não é passível de venda. “A empresa não vende o selo e não autoriza nenhum agente ou indivíduo externo a vender verificação na plataforma. A forma de obtenção do selo azul é a partir do preenchimento de um formulário de requisição.”
Mas a compra e a venda de engajamento em redes sociais funciona de forma clandestina.
Um brasileiro, que afirma morar em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, fez uma proposta para um dos autores deste texto por meio de uma mensagem privada no próprio Twitter.
Na sequência, repassou o seu número de WhatsApp e o perfil na plataforma digital Discord. Neste último canal, ele convidou para uma conversa por vídeo na qual detalhou o esquema.
Primeiro, ele se apresenta como “middleman”, uma espécie de intermediário, e diz que o interessado do exterior está disposto a pagar entre US$ 1.700 (R$ 9.200) e US$ 2.000 (R$ 10.900). O pagamento, diz ele, é feito por meio de moeda virtual.
Questionado sobre quem usufruiria do selo, ele afirmou que, em geral, jovens americanos e europeus. Segundo esse intermediário, esses usuários estrangeiros recebem altas quantias em cada postagem relacionada ao mercado de NFT.
Caso o negócio seja fechado, o intermediário recebe uma comissão de até 15%.
Ele também promete uma espécie de assessoria até o momento de o vendedor receber o dinheiro.
Para isso, diz que envia vídeos explicando como criar uma conta em uma corretora de criptomoedas e, na sequência, como converter o ativo para a moeda brasileira.
A reportagem não teve acesso a esta instrução porque, para isso, deveria aceitar a proposta, entregando o perfil do Twitter bem como o email com a senha no qual a conta da rede social está registrada.
A plataforma sempre exige que o usuário confirme sua identidade pelo email caso acesse a rede social de outro aparelho e de uma localização diferente da qual costuma usar a rede.
Por isso, o intermediário orienta a exclusão das mensagens e a troca do email em cadastro de aplicativos bancários ou de uso comum, como Uber e iFood.
Também sugere que é possível deletar seguidores ou até mesmo bloqueá-los. Para o futuro dono, só interessa o selo azul. Ele também comprará milhares de seguidores para rechear a conta.
Durante a conversa por vídeo, que foi gravada, o intermediário apresentou exemplo de um perfil que, após ter sido vendido por um brasileiro, saltou de 8.000 para 61 mil seguidores.
A oferta clandestina de selo azul do Twitter não é comum como de outras redes sociais. No geral, o mercado de engajamento, que envolve curtidas, comentários e seguidores, é cada vez mais escancarado na internet, já que a imagem na rede social virou fonte de renda.
É possível encontrar vendedores com uma pesquisa simples. Além de verificação e curtidas, também estão à venda visualização de stories (os conteúdos que duram 24 horas no Instagram) e seguidores robôs.
As plataformas proíbem a prática, mas a fiscalização está longe de derrubar esse mercado. Contas proeminentes como a de Jair Renan Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro (PL), dão a pista de como é fácil adquirir engajamento falso.
“Se vocês querem aumentar a visibilidade do seu perfil, venda, engajamento, vou deixar aqui um perfil de confiança minha”, disse Renan em um vídeo curto recente.
A reportagem trocou mensagens com o vendedor indicado por Renan, que apresentou um menu com pacotes de cem a 20 mil seguidores, com o custo respectivo de R$ 10 e R$ 650.
O preço de mil curtidas é R$ 30. Segundo o vendedor, visualizações de stories, que “enganam” o Instagram, conferindo ao perfil mais popularidade, vão de R$ 10 (300 visualizações) a R$ 29 (mil visualizações).
Outra empresa que comercializa engajamento no Instagram vende perfis temáticos e com milhares de publicações. Por telefone, a vendedora faz a oferta: “A página chama Fazendo Fofoca, de entretenimento, com todos os seguidores reais, orgânicos. Nunca usamos nenhum tipo de automação. Custa R$ 5.000”.
A conta tem mais de 3.000 posts com prints de outras páginas de fofocas ou de usuários comuns que publicam conteúdos sobre celebridades.
Após ser contatado pela reportagem, o Instragram removeu a conta por considerar violação de seus termos de uso.
A pesquisadora Isabela Inês Bernardino, do Instituto Vero, liderou um estudo detalhado sobre o mercado paralelo de engajamento. A pesquisa analisou 108 perfis que vendem interações artificiais -o selo de verificação, segundo ela, tende a ser mais raro.
“As pessoas sonham cada vez mais em se tornar uma personalidade da internet e, muitas vezes, elas sequer têm paciência para fazer isso de forma orgânica e natural. Optam por métodos alternativos que violam os termos de uso das plataformas”, diz.
Interações não autênticas são banidas nas principais plataformas digitais. O Instagram diz que os usuários não podem vender, conceder licença ou comprar qualquer conta ou dado obtido através do seu serviço.
Em nota, a empresa afirma que serviços de engajamento falso, que aumentam artificialmente a popularidade de uma conta por meio da compra e venda de curtidas, comentários e seguidores violam seus termos.
“Dedicamos recursos significativos para combater estes tipos de abuso em nossas plataformas e, quando detectados, consideramos todas as opções aplicáveis, incluindo a suspensão e remoção das contas. Em alguns casos, tomamos medidas legais contra os responsáveis”, diz.
O Twitter acrescenta que “indivíduos que se ofereçam para comprar ou vender verificação estão sujeitos à perda do status verificado e suspensão permanente da plataforma”, e que a política contra spam e manipulação proíbe vender, comprar e comercializar contas, nomes de usuários ou acesso temporário a contas.