Complicações são maiores em mulheres operadas por homens, diz estudo
Estudo foi conduzido por meio da análise de dados populacionais no Canadá
Mulheres que passam por uma cirurgia executada por homens são mais suscetíveis a complicações após o procedimento do que homens que são operados por mulheres, sugere estudo publicado na revista Jama Surgery. Além disso, as complicações em pacientes mulheres eram menores nos casos em que eram operadas por outra mulher.
Os pesquisadores analisaram dados de pacientes que tiveram algum procedimento cirúrgico a fim de entender os desfechos pós-cirurgia considerando o sexo tanto dos pacientes quanto dos cirurgiões.
O estudo foi conduzido por meio da análise de dados populacionais da cidade de Ontário, no Canadá. No total, mais de 1 milhão de pacientes foram listados, além de quase 3.000 cirurgiões.
Para ser considerado como um contratempo relacionado à operação, era necessário haver morte, readmissão ou complicações cirúrgicas em até 30 dias.
Com esses dados, os pesquisadores cruzaram as informações de sexo dos pacientes e dos médicos para observar se havia uma correlação entre esses dois fatores e uma maior prevalência de problemas após as cirurgias.
Foi observado que, em mulheres que tiveram suas operações realizadas por homens, os desfechos foram mais complicados comparados a outros grupos –homens operados por mulheres e pacientes que tinham a cirurgia feita por um médico do mesmo sexo.
O achado não indica necessariamente que as complicações perpassam preconceitos de gênero, afirma Christopher Wallis, professor assistente da divisão de urologia da Universidade de Toronto e um dos autores da pesquisa. “Este estudo avaliou associações epidemiológicas em vez de provar o caminho pelo qual elas aconteceram”, diz.
Mesmo assim, os pesquisadores dizem que existem algumas hipóteses e uma delas realmente diz respeito a preconceitos inconscientes de gênero. Segundo Wallis, esse tipo de atitude diz respeito a “quando agimos [baseados em] preconceitos, estereótipos e atitudes subconscientes [que são] profundamente arraigados”.
Os pesquisadores levantam ainda a suspeita, com base em pesquisas anteriores, de que sintomas relatados por pessoas do sexo feminino são mais subestimados, principalmente entre médicos do sexo masculino. “Assim, os primeiros sintomas de complicações podem passar despercebidos quando podem ser mitigados e, em vez disso, se manifestam como eventos mais graves”, explica Wallis.
Outra hipótese para explicar o achado da pesquisa é a comunicação entre as partes. Wallis afirma que outros estudos já observaram que “homens e mulheres têm diferentes habilidades de comunicação”. Isso poderia resultar, por exemplo, em uma comunicação não muito adequada entre paciente e médico, fazendo com que as complicações pós-operatórias sejam menos consideradas no caso delas.
Além disso, os pesquisadores afirmam que outros estudos já investigaram como há certa preferência de pacientes por médicos com perfis sociodemográficos semelhantes. Por exemplo, pessoas negras estariam mais propensas a optar por médicos negros –tendo resultados mais positivos nesses atendimentos quando comparados àqueles realizados por especialistas brancos.
No entanto, um dilema existente é que, no ramo de cirurgiões, a diversidade ainda é pouca. Nesse estudo, de todas as cirurgias analisadas, somente 18% foram performadas por pessoas do sexo feminino.
Representatividade racial também está aquém do que poderia ser. Outro artigo publicado recentemente também na Jama Surgery analisou dados de candidaturas, matrículas e formaturas em programas de residências cirúrgicas nos Estados Unidos. De mais de 70 mil candidaturas, apenas 8% eram de pessoas negras.
No Brasil, o panorama não é muito diferente. Dados do estudo Demografia Médica 2020 indicam que as mulheres ainda são sub-representadas nas mais diversas especialidades cirúrgicas, embora tenha aumentado a presença de médicas.
“Mesmo que existam características que possam levar os homens a preferir mais a cirurgia, há também discriminação e, digamos assim, maior dificuldade das mulheres para acessar especializações cirúrgicas”, afirma Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Scheffer, que é o pesquisador principal da Demografia Médica 2020, também é coautor de outra pesquisa publicada recentemente no Journal of Surgical Research sobre a presença de mulheres se especializando em algum tipo de cirurgia no Brasil. Segundo ele, houve um incremento maior de mulheres ingressando nessa carreira médica, mas ainda assim isso “cresceu perto da imensa desigualdade que existia”.
Na questão racial, existe um deserto de informações, tanto para cirurgiões quanto para médicos de outras especialidades. Na Demografia Médica 2020, por exemplo, não existem dados sobre raça ou cor porque esses são elementos que não estão consolidados ao redor do país.
“Essa invisibilidade da informação de raça e cor nos dados administrativos médicos é revelador de que é um tema muito avançado”, afirma Scheffer.
Dificuldade para elas Desde 1994, Tatiana Novais, 48, tem centros cirúrgicos como sua segunda casa, mas essa realidade não é tão comum para pessoas como ela –uma mulher negra.
Novais é cirurgiã plástica e também fez especialização em cirurgia geral e craniomaxilofacial. Ela relata que, desde o início de sua trajetória médica, percebia que a questão de gênero era um problema.
“Essa dificuldade começa mais para mulher. A gente está agora numa situação que está mudando completamente: tem mais mulheres acessando a faculdade, tem mais mulheres entrando na residência, mas na minha época tinha bem menos”, afirma.
Uma dessas situações pela qual Novais passou foi ouvir de um professor que o problema da área cirúrgica era de ter começado a aceitar mulheres. “Era um preconceito, mas não era nada velável, era escancarado”, diz Novais.
Por Samuel Fernandes