China enfrenta acusações de despreparo, e número de mortos por chuvas sobe para 33
Metereologia de Henan disse que as autoridades foram avisadas sobre o risco de eventos climáticos
BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Quase 400 mil pessoas na China foram forçadas a deixar suas casas nas regiões afetadas por inundações nesta quinta-feira (22), após subir para 33 o número de mortes causadas pelas fortes chuvas que já duram quase uma semana. Entre os óbitos confirmados, estão 12 pessoas que morreram quando o metrô da capital da província de Henan, Zhengzhou, foi inundado. Sobreviventes da tragédia viveram momentos de pânico, e os relatos incluem o nível de água na altura do pescoço enquanto dezenas de pessoas estavam presas nos vagões.
O caso também gerou indignação e acusações de despreparo contra as autoridades chinesas. Uma publicação no Weibo, rede social chinesa semelhante ao Twitter, com mais de 160 milhões de visualizações, questionava: “Por que o nível da água na rua estava quase na altura da cintura, mas o metrô ainda permitia a entrada de viajantes?”
Uma quantidade maior de cidades foi atingida por novas enchentes à medida que as chuvas se espalham para o norte. De acordo com a agência de notícias estatal Xinhua, o prejuízo econômico direto já ultrapassa 1,11 bilhão de yuans (R$ 978,8 milhões).
A agência meteorológica da província de Henan, até agora a mais atingida pelos temporais, elevou ao nível máximo o alerta de tempestades em quatro cidades: Xinxiang, Anyang, Hebi e Jiaozuo.
Segundo uma reportagem do jornal South China Morning Post, os meteorologistas previram as chuvas dos últimos dias, mas emitiram alertas para a hora e o lugar errado.
O serviço meteorológico de Henan disse que as autoridades foram avisadas sobre o risco de eventos climáticos extremos há uma semana, mas a previsão era de que as chuvas mais fortes atingissem Jiaozuo e não Zhengzhou, e isso deveria ocorrer nesta quinta, não na terça-feira.
Quando o alerta vermelho foi emitido na capital da província, a maior parte dos moradores já tinha saído de casa para suas atividades diárias. Com o serviço de ônibus parado, um contingente maior que o esperado optou pelo metrô, o que provocou a tragédia nos vagões.
Ainda de acordo com o SCMP, a China enfrenta um déficit na capacidade de previsão do tempo em cidades mais pobres e nas áreas rurais. Cidades como Pequim e Xangai estão mais bem equipadas, mas Zhengzhou, por exemplo, entra numa lista de “pontos cegos” da meteorologia.
O Centro Meteorológico Nacional de Pequim é um dos nove reconhecidos pela Organização Meteorológica Mundial, agência da ONU que monitora o clima em âmbito global. “Mas, apesar dos satélites e supercomputadores usados pelo centro, suas estimativas de chuva estão erradas com mais frequência do que certas”, diz o SCMP, com base um estudo que aponta que as autoridades meteorológicas chinesas acertaram suas previsões de chuva em períodos de 24 horas com 20% de precisão.
Segundo o mesmo levantamento, países da Europa, Estados Unidos e Japão, com histórico mais longo na meteorologia e territórios geralmente menores a serem cobertos, o nível de precisão é de cerca de 30%.
Em editorial publicado nesta quinta, o jornal Global Times, controlado pelo Partido Comunista Chinês, afirmou que seria “absolutamente impossível” evitar a inundação de Zhengzhou e fez um alerta a respeito das mudanças climáticas.
“No futuro, não podemos mais usar frases vagas, como ‘uma vez em mil anos’ ou ‘uma vez em cem anos’, para orientar a luta contra os desastres. Devemos estar prontos para enfrentar e lidar com um clima catastrófico com mais frequência”, diz o texto.
Na quarta-feira, o líder chinês, Xi Jinping, descreveu as inundações como “extremamente graves” e cobrou organização das autoridades. O regime liberou uma ajuda emergencial de 100 milhões de yuans (R$ 80,3 milhões) à província de Henan.
Embora o céu de Zhengzhou estivesse significativamente mais claro nesta quinta, o estrago causado pelas enchentes ainda era bastante visível nas ruas da cidade de 12 milhões de habitantes (semelhante à população de São Paulo): pilhas de carros arrastados pela inundação, ruas inteiras submersas com água na altura da cintura e várias construções danificadas pela enchente.
As equipes de socorristas usaram botes e jangadas para resgatar moradores que ficaram ilhados. Em outro ponto, um grupo de pessoas foi transportado nas “garras” de uma escavadeira.
Um grupo de voluntários de uma empresa de construção da província de Sichuan também usou um barco para transportar moradores que haviam ficado presos em um prédio de Zhengzhou. Segundo uma voluntária, eles se organizaram para resgatar primeiro os idosos, depois mulheres e crianças.
“Da última vez, Sichuan teve um terremoto. Agora, está inundando. Hoje você me ajuda, amanhã eu te ajudou”, disse a mulher que se identificou apenas como Ma. Ela fez referência ao terremoto de magnitude 7.9 que matou quase 70 mil pessoas em 2008.
Apesar dos riscos, no entanto, alguns moradores se recusam a sair de suas casas enquanto houver comida, segundo relatos de socorristas à agência de notícias Reuters. Um homem de sobrenome Xu contou que ficou preso com a esposa e dois filhos no apartamento por vários dias, praticamente sem água potável.
“Moro aqui há quatro, cinco anos e isso nunca aconteceu. Não tínhamos água, eletricidade, não podíamos tomar banho, e a pouca água que tínhamos para lavar, economizamos para dar descarga”, disse Xu enquanto esperava, com a família, um barco de resgate na entrada do condomínio.
Enquanto, segundo os meteorologistas, a tempestade se move para o norte, mais de 73 mil pessoas foram evacuadas de Anyang. A cidade com cerca de 5 milhões de habitantes (quase duas vezes a população de Belo Horizonte) registrou, desde o início da semana, mais de 600 milímetros de chuva –número que é próximo da média anual de precipitação na região.
Em Xinxiang, o índice foi ainda maior. Os 812 milímetros de chuva desde terça-feira quebraram os recordes meteorológicos locais, segundo a Xinhua. Sete reservatórios da cidade transbordaram, afetando dezenas de vilarejos e outras cidades próximas.
A agência divulgou um balanço segundo o qual mais de 470 mil pessoas de Xinxiang e mais de 55 mil hectares de plantações foram diretamente afetados pelas chuvas. As autoridades enviaram equipes de busca e resgate formadas por mais de 76 mil pessoas.
Assim como as ondas de calor com temperaturas recorde nos Estados Unidos e no Canadá e as inundações catastróficas registradas em países como Alemanha, Holanda e Bélgica, as chuvas na China estão diretamente relacionadas a um contexto global de mudanças climáticas.
De acordo com especialistas, o aumento das temperaturas em nível global gera um acúmulo de energia na atmosfera que se dissipa por meio de eventos climáticos extremos, que tendem a se tornar cada vez mais poderosos e mais frequentes.