Chile elege esquerdista Boric à Presidência, em derrota de pinochetista Kast
Boric será o mais jovem presidente da história do país
O esquerdista Gabriel Boric, líder dos protestos estudantis de 2011, foi eleito presidente do Chile neste domingo (19) ao derrotar o ultradireitista José Antonio Kast, que telefonou ao adversário para reconhecer a derrota. Com 50% dos votos apurados, o candidato da Frente Ampla tem 54,7%, contra 45,2% de Kast.
Aos 35 anos, Boric será o mais jovem presidente da história do país e vai suceder o direitista Sebastián Piñera, que termina em março de 2022 seu segundo mandato à frente do país.
O esquerdista governará com um Congresso dividido, com o qual será necessário realizar acordos para viabilizar projetos como as reformas da Previdência e do sistema tributário.
Boric será também o presidente que comandará o país durante o plebiscito pela aprovação ou rejeição da nova Constituição, hoje redigida pela Assembleia Constitucional. Caso a nova Carta seja aprovada, também caberá ao novo líder comandar a implementação do documento.
Numa eleição em que os partidos tradicionais foram rejeitados nas urnas, o esquerdista leva ao poder uma nova geração de políticos que surgiram com as revoltas estudantis de 2011.
Para conseguir o apoio necessário para a vitória, porém, Boric buscou a moderação de seu discurso, considerado radical por muitos setores, e se reconciliou com a Concertação, aliança de centro-esquerda que governou o Chile por 20 anos. Nas últimas semanas, obteve o apoio dos ex-presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet.
O dia de votação foi permeado de tensão devido a grandes engarrafamentos na região metropolitana de Santiago, forte calor e registros de dificuldades para acessar o transporte público em zonas rurais.
Os relatos fizeram com que ambos os candidatos reclamassem do sistema de transporte. Em um áudio, Kast afirmou que em algumas regiões há poucos ônibus e pediu ao governo que disponibilizasse toda a capacidade possível para que as pessoas pudessem votar. “Enquanto isso, apelo à sociedade, aos vizinhos que tenham veículos, que ajudem a levar o máximo de pessoas aos locais de votação.”
Boric, por sua vez, em uma escala do voo que fez de Punta Arenas, onde votou, para a capital, divulgou um áudio no qual disse ter recebido relatos de problemas no transporte público tanto na região metropolitana como na zona rural. “Mais do que atribuir responsabilidades, o que peço é que o governo busque uma solução, depois vemos o que aconteceu. Mas sabemos de lugares em que apenas 50% da frota de ônibus está funcionando. Há regiões rurais em que o transporte público simplesmente não está passando.”
A ministra do Transporte, Gloria Hutt, porém, negou uma diminuição no fluxo dos ônibus e afirmou que os veículos do transporte público estão trabalhando “como em um dia de trabalho normal”. “O que temos visto nas últimas horas é que há episódios de congestionamento, e isso afeta o transporte público.”
Hutt excluiu a possibilidade de que ônibus tenham sido tirados de circulação para impedir a mobilidade dos eleitores. “Não fizemos isso, há contratos a cumprir entre as empresas e o ministério, e estamos vigiando para que isso se cumpra”. Jaime Bellolio, porta-voz do governo, foi na mesma toada. “Estamos em um momento polarizado, estão falando mentiras. Há demora porque há muito trânsito.”
Boric e Kast votaram praticamente no mesmo horário, por volta das 9h20. Boric foi a um colégio de Punta Arenas, sua cidade-natal, e Kast, a um local de votação em Paine, na região metropolitana de Santiago.
O esquerdista chegou acompanhado da namorada, Irina Karamanos, e do irmão Simón. “O sentido de responsabilidade histórica que sinto é tremendo. Estou com esperança e tranquilo, porque fizemos uma campanha limpa, sem difundir mentiras. Nesta noite, vamos respeitar o resultado, seja qual for.”
Boric, o próximo presidente do Chile, assume em 11 de março de 2022 com uma lista de desafios evidentes. Entre a série de problemas a lidar estão a responsabilidade de iniciar a reforma da previdência, principal anseio dos chilenos, a crise econômica do país, a continuidade da política de combate à pandemia de coronavírus, o encaminhamento do processo da Assembleia Constituinte e a tentativa de estabelecer uma relação harmoniosa com o Congresso, no qual não há uma maioria clara.
Frente à pior recessão em décadas, a economia aparece como a questão mais latente. O PIB encolheu 6 pontos percentuais em 2020, devido ao impacto da Covid, que também causou a perda de 1 milhão de empregos, e o nível de pobreza, por sua vez, foi de 8,1% em 2019 para 12,2% em 2021.
Embora seja esperado um crescimento de 5,5% do PIB em 2021, a recuperação ainda é frágil e lenta para atender ao aumento das necessidades sociais e dos gastos feitos pelo Estado para minimizar o impacto da pandemia. A inflação pode superar os 6% neste ano, dobro da meta estabelecida pelo Banco Central.
Ainda na área econômica, o governo terá de lidar com os efeitos da retirada de US$ 50 bilhões dos fundos privados de pensão, liberados pelo Congresso na pandemia, contrariando o presidente Piñera.
Da relação do governo com o Congresso depende o sucesso das negociações para aprovar as reformas e definir os próximos passos da Assembleia Constituinte. Espera-se que o plebiscito para aprovar ou rejeitar a nova Carta ocorra em outubro, e a nova Constituição pode ter entre seus artigos a mudança do sistema presidencialista para o parlamentarista, ou mesmo a redefinição da duração do mandato do presidente.
Neste caso, o eleito poderia ter de convocar novas eleições ou sair do cargo antes do previsto.
O sucesso do Chile na campanha de vacinação contra a Covid também representa um alto patamar a ser mantido. O país tem 85,7% da população com duas doses, e 51,2%, com três. Ao jornal Folha de S.Paulo, Rodrigo Yáñez, subsecretário de economia do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que o país tem vacinas suficientes para terminar a imunização com a dose de reforço e iniciar a aplicação da quarta dose, mas que é necessário começar as negociações para a campanha no segundo semestre do ano que vem.
Por Sylvia Colombo