Biden discute o que fazer se Putin usar arma nuclear; Rússia acusa EUA de banditismo
O caso das armas de destruição em massa tem ganhado corpo
Quase um mês após a invasão russa da Ucrânia, a guerra diplomática entre o Kremlin e os EUA subiu vários degraus às vésperas do encontro dos líderes da Otan, a aliança militar ocidental, na quinta (24).
Depois de ter sido acusado de preparar ataques hacker contra empresas americanas e de tramar o uso de armas químicas contra alvos ucranianos pelo presidente Joe Biden, o governo russo disse que a Casa Branca adota o “banditismo” nas relações internacionais.
Já o americano deverá pedir que a Otan adote um protocolo de reação em caso de uso de armas nucleares por Putin, além de trabalhar por mais sanções contra o Kremlin.
Biden fez as acusações em tom acima do usual por serem tratadas como certezas, não especulações, na noite de segunda (22/3). Nesta terça, veio a reação. “Diferentemente de muitos países ocidentais, incluindo os EUA, a Rússia não se envolve com banditismo no nível estatal”, afirmou o porta-voz Dmitri Peskov.
O caso das armas de destruição em massa tem ganhado corpo. A Rússia acusa os EUA de montar uma rede de laboratórios para estudar agentes biológicos na Ucrânia, sem provas. Já a Casa Branca e a Otan afirmam que isso é uma desculpa dos russos para usar armamentos, químicos no caso, na guerra.
Esse cenário ocorreria, especulam analistas ocidentais, devido à percebida dificuldade de Putin em vencer a guerra com rapidez. A este ponto, a ofensiva generalizada está parada em volta de algumas cidades principais, como a capital, Kiev, embora mantenha a iniciativa em pontos como o sul do país.
Para o Instituto de Estudos da Guerra, ONG de Washington, os russos já estão inclusive assumindo posições defensivas em alguns locais, o que sugere a vontade de tentar ganhar a guerra pelo atrito, destruindo as forças numericamente inferiores de Kiev.
Nesse cenário, especula-se o uso de uma arma química ou mesmo de uma bomba nuclear tática, de baixa potência, para subjugar a Ucrânia. Membros orientais da Otan, como a Polônia, dizem que isso seria inaceitável e obrigaria uma intervenção.
Segundo o assessor de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, a Otan deverá discutir novas medidas de reforço no Leste Europeu e um protocolo de reação caso Putin use uma arma nuclear -provavelmente, também falará de químicas e biológicas. É incerto que isso detenha o russo.
Peskov foi instado a falar sobre a bomba em uma entrevista à CNN e repetiu o que está na doutrina militar russa: arma nuclear só em caso de ameaça existencial contra a Rússia. Como Putin chamou a crise ucraniana disso e tem feito ameaças atômicas a quem interviesse no conflito, a carta segue na mesa, blefe ou não.
Até aqui, a aliança só está fornecendo armas e dinheiro a Kiev. Pedidos para fechamento do espaço aéreo ou de envio de caças foram negados, sob a alegação de que isso seria visto como uma declaração de guerra aos russos, o que poderia evoluir para um conflito mundial entre potências nucleares.
Em Washington, por outro lado, altos funcionários do Departamento de Defesa relativizaram a repórteres a fala de Biden, dizendo que o risco do uso de armas químicas não era iminente. Na segunda, o governo russo chamou o embaixador americano em Moscou para lhe dizer que as relações dos dois países estavam à beira do colapso após o presidente ter chamado Putin de criminoso de guerra.
Também nesta terça, Peskov foi pessimista acerca do andamento das negociações com Kiev, dizendo que a Ucrânia precisa ser “mas ativa e substantiva” nas conversas.
Os tremores secundários da crise seguem por todo o mundo. No evento empresarial em que alertou sobre o risco de guerra cibernética e química, Biden admitiu que a aliada Índia está reticente em agir contra o Kremlin. EUA, Índia, Austrália e Japão compõem a aliança Quad, que visa conter a expansão chinesa no Indo-Pacífico. Há duas semanas, o grupo se reuniu e advertiu Pequim de que não olhasse para a ilha autônoma de Taiwan da mesma forma que Putin olhou para a Ucrânia.
A reincorporação de Taiwan, pacificamente ou à força, é parte da política de Estado chinesa. E o governo de Xi Jinping é o maior aliado da Rússia, embora tenha adotado cautela máxima na crise, buscando auferir os louros de uma solução pacífica.
Biden disse que a resposta do Quad incluiu Japão e Austrália como “bastante fortes” em relação a Putin, enquanto a Índia “está algo instável” -Nova Déli não condenou a guerra. Os indianos são os maiores clientes de armas russas no mundo, ficando com 28% das exportações de Moscou no setor de 2017 a 2021, mantendo assim o discurso de independência.
Só que a aliança com os EUA está afunilando as coisas, porque a Índia tem contenciosos fronteiriços e econômicos com a China. A saída americana do Afeganistão também explicitou o balé regional, já que o Paquistão é o maior aliado de Pequim na Ásia e tem fortes interesses no renovado regime do Talibã.
Por fim, o Japão criticou a Rússia por ter deixado as negociações de paz, que se arrastam desde o fim da Segunda Guerra, acerca do status das disputadas ilhas Curilas, em parte tomadas pelos soviéticos. O Kremlin diz que a adoção de sanções ocidentais pelos japoneses impede a continuidade das conversas.
Por Igor Gielow