Ajuda internacional é desafio no Haiti após terremoto que matou mais de 1.400
Subiu para 1.419 o número de mortos e 6.900 o de feridos
Numa esteira de crises políticas e sociais, o Haiti vive desde sábado (14/8) a rotina de, com poucas equipes e hospitais lotados, vasculhar escombros, desbloquear vias urbanas e dimensionar o estrago deixado pelo terremoto de magnitude 7,2.
Subiu para 1.419 o número de mortos e 6.900 o de feridos. Cerca de 37 mil casas foram destruídas e outras 50 mil danificadas.
Enquanto calculam as perdas, os haitianos se debruçam sobre outra preocupação: o papel e a efetividade que terá a ajuda humanitária internacional, que já começa a chegar ao país. A população vive sob a sombra da experiência pouco exitosa após o terremoto de janeiro 2010, que deixou mais de 220 mil vítimas.
O volume da ajuda que a comunidade internacional se comprometeu a investir na reconstrução do país à época foi pomposo: R$ 47,3 bilhões, em valores corrigidos. Seis meses após a tragédia, apenas 2% do montante haviam chegado ao Haiti.
“A ajuda que chega mal passa pelo Estado [haitiano] e vai direto para ONGs ligadas ao país que está enviando”, explica João Fernando Finazzi, professor de relações internacionais da PUC de Minas Gerais. “Há uma hierarquia, na qual as organizações da ponta, localizadas nos bairros, não recebem esse dinheiro.”
A recuperação foi lenta e os desdobramentos são sentidos até hoje, o que leva parte dos haitianos a descrever como um fracasso a atuação internacional para mitigar os impactos da tragédia.
Estudo realizado pela Universidade Estadual do Haiti e pela Universidade de Tulane (EUA) em 2012 caracteriza a ajuda internacional pós-2010 como algo que resolveu as necessidades imediatas, mas não trouxe resiliência ao país e, em alguns casos, chegou a causar danos.
O principal problema, de acordo com o documento, foi que a resposta humanitária muitas vezes minou a capacidade de indivíduos e organizações haitianas. “Mudar a abordagem promoveria a obtenção de auto-suficiência, ao invés do status contínuo de dependência –a ‘ajuda humanitária padrão'”, sugere o estudo.
“Esse modelo de ajuda enfraquece o Estado haitiano e gera dependência da comunidade externa”, diz Finazzi, que também é pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC de São Paulo.
Mesmo que falho, o modelo tem guiado a intervenção internacional no país caribenho nas últimas três décadas. De 1994, quando tropas americanas entraram no Haiti para recolocar no poder o presidente deposto Jean-Bertrand Aristide, a 2017, o Haiti viveu sob o guarda-chuva de missões de paz.
A última foi a Minustah, missão das Nações Unidas liderada pelo Brasil de 2004 a 2017. “Com o fim da operação, é possível observar que a capacidade de gestão haitiana caminha, mas de forma muito complicada”, avalia a professora de relações internacionais da Faap Vanessa Matijascic, que estudou as operações da ONU no Haiti. “Há o desafio de o governo haitiano administrar o país sem ajuda externa.”
Ainda que a escala de destruição deixada pelo terremoto de sábado seja menor que a de 2010, é extensa a lista de desafios haitianos que a ajuda humanitária poderia, em partes, ajudar.
Agravando a já delicada situação, uma tempestade tropical severa deve passar pelo país caribenho na noite desta segunda (16) ou na terça-feira (17), com ventos de até 120 km/h. É previsto que o núcleo da tempestade Grace, como é conhecida, prejudique principalmente os departamentos já afetados pelo terremoto, no sudoeste.
Com as fortes chuvas e estruturas danificadas pelo sismo, devem ocorrer mais deslizamentos de terra, e o socorro aos feridos pode ser prejudicado. O governo emitiu alerta laranja de tempestade (risco alto), e estão suspensos o transporte de cargas no litoral e as atividades de mineração.
As remessas de ajuda internacional chegam, ainda que sem uma coordenação. Nesta segunda, 15 toneladas de suprimentos chegaram do México, com alimentos, água e remédios. Uma brigada de 253 médicos cubanos que já residia no país ajuda a cuidar dos feridos.
Sob tutela da Usaid (agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), uma tripulação aérea tem ajudado a transportar haitianos gravemente feridos para que recebam cuidados médicos.
Em meio ao caos, despontam também outros desafios, como o da a Covid-19 –o país foi o último da América Latina a começar uma campanha de imunização. Até a última sexta (13), somente 371 haitianos, de uma população de 11 milhões, estavam completamente imunizados (com as duas doses ou a dose única da vacina).
Por Mayara Paixão