Proposta de Brasil e Japão busca destravar mercado de carbono na reta final da COP26
O Brasil pode ter contribuído para virar o jogo
Nas negociações da COP26, conferência de mudanças climáticas da ONU, os países sinalizaram nesta sexta-feira (12) confiança de que devem concluir a regulamentação do Acordo de Paris até sábado (13) -com atraso de um dia no calendário original do evento. A decisão deve sair em uma plenária marcada para o final do sábado.
Até a metade da semana, os textos de regulamentação de Paris apresentavam poucos avanços significativos, mas novas propostas apareceram nesta sexta (12) e tiveram boa aceitação dos países.
O Brasil pode ter contribuído para virar o jogo, com uma ideia que destrava o entendimento sobre a regulamentação do mercado de carbono, previsto no artigo 6 do Acordo de Paris.
Apresentada na quinta (11), a solução propõe que os créditos de carbono negociados internacionalmente passem pelo crivo dos países envolvidos na compra e na venda e ainda pela convenção do clima da ONU, que intermediaria as transações.
Com isso, as definições dos critérios para as transações devem ser tomadas na instituição desse processo, analisando os diferentes tipos de projetos submetidos ao comércio global de carbono.
O método também deve servir para verificar as condições de cada transação: caso o crédito de carbono seja vendido a um país que pretenda contabilizá-lo na sua meta climática do Acordo de Paris, o valor deve ser proporcionalmente descontado do resultado da meta do país vendedor.
Por outro lado, caso o crédito seja vendido a um projeto que não entrará na meta nacional do país comprador, o ajuste não precisaria ser feito.
Embora observadores reconheçam que o mecanismo ainda pode deixar brecha para a dupla contagem de resultados climáticos -pelo comprador e pelo vendedor do crédito, a proposta foi bem aceita como solução para o impasse multilateral, que agora deve ser resolvido em uma instância executiva.
Desviando das divergências técnicas insuperáveis entre os países, a saída seria um atalho para concluir o livro de regras do Acordo de Paris.
A Folha de S.Paulo apurou que a proposta foi formulada pela diplomacia brasileira, mas levada à mesa de negociação pelos japoneses.
A articulação Brasil-Japão buscou passar maior credibilidade e aceitação dos países, após o Brasil ter sido apontado como o principal responsável pela obstrução do artigo 6 na última edição da conferência -a COP25, em Madri.
Por não ceder na posição que insistia em não descontar da meta climática nacional os créditos de carbono de projetos vendidos no exterior, o Brasil foi acusado de atentar contra a integridade ambiental do acordo e ficou marcado como vilão das negociações de 2019.
Na interpretação de observadores, a postura intransigente do Brasil -e incompreendida pelo resto do mundo- pode ter sido usada para garantir, em outro ponto da negociação, uma questão importante para o país: o comércio, no novo mercado de carbono, dos créditos criados na época do Protocolo de Kyoto (que vigorou de 2005 a 2020).
No acordo climático anterior, só os países desenvolvidos tinham metas climáticas obrigatórias, o que levou os países em desenvolvimento a investir na venda de créditos de carbono -com o Acordo de Paris, os países em desenvolvimento devem descontar das suas metas os créditos que venderem ao exterior.
Segundo o doutor em Economia e professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Ronaldo Seroa da Motta, o novo mercado de carbono global deve aceitar um prazo de transição dos créditos mais recentes certificados no modelo do acordo anterior.
“Os textos em negociação propõem como prazo [para aceitar créditos de Kyoto] os anos de 2013 -que implicam créditos equivalentes a 800 milhões de toneladas de carbono- ou 2016, que carregaria créditos de cerca de 100 a 200 milhões de toneladas”, calcula.
“Uma eletrificação rural em Gana, por exemplo, tem uma vantagem social e de desenvolvimento sustentável, isso passaria. Fica [no mercado] uma quantidade pequena, que não afeta significativamente os resultados das NDCs [sigla em inglês para as metas climáticas nacionais, chamadas de contribuições nacionais determinadas]”, diz o professor e ex-diretor do Ministério do Meio Ambiente.
Na visão dele, boa parte dos projetos brasileiros não caberia nos critérios de transição que estão na mesa de negociação.
Ao chegar na COP26 com o anúncio de que seria flexível, o Brasil não pretendia abrir mão das suas posições, mas encontrar soluções intermediárias.
“Não queremos pequenos clubes climáticos, queremos uma comunidade global, que compartilhe nossas preocupações e esteja disposta a seguir adiante. O Brasil tem trabalhado para criar pontes entre posições extremas”, afirmou um dos representantes da diplomacia brasileira na COP26, Leonardo Cleaver de Athayde, na plenária desta sexta na COP26.
“Apoiamos o pacote baseado na proposta que seja a base da operação de cooperação”, afirmou Athayde, que dirige o departamento de meio ambiente do Itamaraty.
A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.
Por Ana Carolina Amaral