Simone Biles volta, leva bronze na ginástica e se despede das Olimpíadas num novo papel
Subitamente, a maior estrela dos Jogos transformou as expectativas pelo seu desempenho atlético num grande debate sobre saúde mental
Quando Simone Biles entra em ação, é normal que todo o ginásio pare para observar a melhor ginasta do mundo.
Nesta terça-feira (3), porém, a subida da americana na trave do centro de ginástica de Ariake não foi acompanhada pela expectativa de mais um show.
Havia tensão generalizada para saber como Biles se apresentaria após tudo o que aconteceu com ela nas Olimpíadas de Tóquio.
Maior estrela dos Jogos, Biles voltou a competir após uma semana na qual abriu mão de quatro finais. Despediu-se com uma medalha de bronze. O ouro foi para Guan Chenchen, e a prata, para Tang Xijing, ambas da China. A brasileira Flavia Saraiva terminou na sétima posição.
O domínio de Biles nas grandes competições de ginástica começou em 2013. Desde então, foram 25 medalhas em Campeonatos Mundiais, 19 de ouro.
Nas Olimpíadas do Rio-2016, a americana subiu cinco vezes no pódio, com quatro medalhas de ouro e uma de bronze. Agora no Japão, a expectativa era pela confirmação dessa performance dominante.
Sua primeira apresentação em Tóquio foi no dia 25 de julho. A atleta obteve a melhor nota geral, se classificou para as finais de todos os aparelhos, mas cometeu erros que não costuma cometer. Avançou com a melhor nota geral e no salto. No solo, em que sobrou contra as rivais nos últimos anos, terminou na segunda posição. Na trave, foi sétima, e nas barras assimétricas, décima.
Dois dias depois, na competição por equipes, as americanas começaram pelo salto. Biles foi para a primeira apresentação, errou a chegada e recebeu uma nota baixa.
Na sequência, vestiu o agasalho e não voltou a executar nenhum movimento nos outros aparelhos. Desistiu da disputa e foi substituída no time dos EUA, que perdeu para as russas e ficou com a prata.
As suspeitas de que ela tivesse algum problema físico foram descartadas pela própria atleta na sequência, em entrevista que concedeu ainda no ginásio.
“Fisicamente, me sinto bem”, disse Biles ao canal americano NBC. “Emocionalmente, varia com a hora e o momento. Ser a estrela principal das Olimpíadas não é uma tarefa fácil. Então estamos apenas tentando viver um dia de cada vez. Veremos.”
Subitamente, a maior estrela dos Jogos transformou as expectativas pelo seu desempenho atlético num grande debate sobre saúde mental no esporte de alto rendimento.
“Também temos que nos concentrar em nós mesmos, porque no fim das contas também somos humanos”, disse Biles. “Portanto, temos que proteger nossa mente e nosso corpo, em vez de apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos.”
Desde então, ela abriu mão de competir em quase todas as finais para as quais havia se classificado: individual geral, salto, solo e barras assimétricas.
Na segunda (2), a federação americana, que afirmou apoiar totalmente a atleta em suas decisões, confirmou seu retorno para a trave, no último dia de programação do esporte nos Jogos.
Após ter falado de forma mais genérica sobre as questões de saúde mental inicialmente, Biles contou nas suas redes sociais que vinha sofrendo de um problema de desorientação espacial conhecido no meio da ginástica como “twisties”. Apesar de não ser algo incomum, não há explicações consolidadas sobre suas causas e possíveis tratamentos.
Os movimentos que a ginasta executa sobre a trave, embora requeiram muita precisão, são menos acrobáticos e envolvem menos giros do que nos dos demais aparelhos. Isso possivelmente influenciou a decisão por voltar a competir nessa prova, apesar de nunca ter sido a mais dominante da americana.
Biles entrou no ginásio como terceira da fila, posição que indicava a ordem em que iria competir. Com olhar compenetrado, acenou para as câmeras que acompanhavam seus passos e logo começou o aquecimento.
Enquanto a canadense Elsabeth Black e Xijing Tang se apresentavam, a americana conversou bastante com seus treinadores. A demora para que saísse a nota da chinesa elevou a tensão da expectativa por sua entrada.
Quando chegou a hora, Biles fez uma apresentação segura –a nota de dificuldade, 6.100, ficou quatro décimos abaixo da série da classificação– e aparentou ter ficado satisfeita. De longe, foi a mais celebrada entre as finalistas.
O sorriso no rosto diminuiu quando soube que não seria o suficiente para ultrapassar Tang, mas Biles continuou de pé, apoiando a americana Sunisa Lee, conversando com os técnicos e cumprimentando as outras competidoras.
Após pautar as Olimpíadas em temas que vão muito além de suas acrobacias e terminar o evento com duas medalhas -nenhuma de ouro-, Simone Biles se despede dos Jogos de Tóquio subvertendo o papel esperado para sua grande estrela.
Texto: Daniel E. De Castro