Sifan Hassan caiu de manhã e ganhou ouro à noite embalada por 20 copos de café – Mais Brasília
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Sifan Hassan caiu de manhã e ganhou ouro à noite embalada por 20 copos de café

Na primeira curva da última volta, Hassan havia tropeçado em Edinah Jebitok, do Quênia, e ficado para trás

Sifan Hassan
Reprodução/ Arquivo Pessoal

Sifan Hassan, 28, ganhou sua primeira medalha olímpica nessa segunda-feira (2/8), nos Jogos de Tóquio. Ela venceu os 5.000 m. Mas isso nem foi seu feito mais memorável do dia.

A holandesa nascida na Etiópia cumpriu o primeiro objetivo de fazer o que nenhuma mulher conseguiu na história das Olimpíadas. Conquistar também o ouro nos 1.500 e 10.000 m.

Mesmo com três medalhas, ela será lembrada também por causa de uma queda e pelo que aconteceu nos segundos seguintes.

Na manhã japonesa, a australiana Jessica Hull tinha deixado a americana Elinor Purrier St Pierre para trás e percebeu que ganharia a qualificatória dos 1.500 m. Não havia motivo para duvidar.

Pouco antes, na primeira curva da última volta, Hassan havia tropeçado em Edinah Jebitok, do Quênia, e ficado para trás.

A holandesa então era a última de 15 corredoras, estava a mais de dez metros de distância da competidora mais próxima e tinha de ficar entre as seis melhores para se classificar. O termômetro do Estádio Olímpico de Tóquio marcava 36º.

Nos segundos finais, Jessica Hull viu uma camisa laranja passando do seu lado direito. Hassan ultrapassou as demais corredoras como se elas não existissem e ganhou a qualificatória.

Com menos drama, foi o que fez na final dos 5.000 m. Passou quase toda a prova no pelotão traseiro, às vezes encaixotada pelo jogo de equipe das rivais. Duas quenianas e duas etíopes (como Hassan) corriam tão sincronizadas que, quando o pé direito de uma tocava no solo, o da outra fazia o mesmo.
Na volta final, Hassan acelerou. Venceu na noite japonesa, assim como havia feito pela manhã, embalada por uma dose cavalar de café.

“Depois que caí, pensei: não vou conseguir correr bem a final dos 5.000 m. Achei que deveria me concentrar nos 1.500 e 10.000 m porque teria tempo para me recuperar. Mas aí bebi 20 copos de café antes dos 5.000 m, me senti bem e venci”, ela resumiu após a prova.

Ela comemorou enrolada na bandeira da Holanda. Atletas festejarem medalhas com as cores dos seus países é clichê. Mas para alguém como Hassan significa muito. Ela já disse se sentir à vontade em qualquer parte do mundo. Às vezes, quando passa muito tempo nos Estados Unidos, tem dificuldade para se lembrar de como falar holandês.

“Eu não sei onde é a minha casa, mas me sinto holandesa. Quando chego à Holanda, me sinto bem”, afirma.

A primeira vez que chegou foi aos 15 anos, em um avião saído de Adis Abeba. Foi embarcada por sua mãe para pedir asilo na Europa. Não é um assunto que Hassan goste de abordar, embora não tenha como negar ser uma refugiada. Diz apenas que se entrar no tema, terá de falar sobre política. Não deseja isso.

Ela confessa confundir as línguas. Disse depois que, ao cair nos 1.500, xingou em etíope, como faz quando está nervosa. A corredora não fala amárico, considerada a oficial em seu país natal. Por morar nos Estados Unidos boa parte do ano, aprendeu inglês.

Ir para Oregon em um programa da Nike lhe trouxe desconfiança. Foi treinada por Alberto Salazar, técnico suspenso por quatro anos acusado de auxiliar no doping de atletas.

Após suas vitórias nos 1.500 e 10.000 m no Mundial do Qatar de 2019, algo que nenhum atleta (homem ou mulher) jamais havia feito, a britânica Laura Muir colocou em dúvida como Hassan conseguiu o feito.

“Estou limpa”, a holandesa se limitou a responder.

Ao conquistar a medalha de ouro nos 5.000 m, a atleta tinha uma estratégia e a seguiu. Sabia o que esperar das corredoras africanas. A recuperação nos 1.500 m foi puro instinto. Correr mais do que as demais em um pequeno espaço de pista. Simples.

“Se você começa a pensar demais, tudo é difícil. Eu não fico pensando. Apenas digo para mim: é assim”, resume.

Esse é um dos motivos para ter aceitado correr seis provas de longa distância (qualificatórias e finais) em oito dias no verão de Tóquio. São 24,5 km. Se quer fazer história nos Jogos Olímpicos, será assim.

Talvez seja uma revanche porque, em 2016, ela já era um nome conhecido no atletismo e não foi bem nas Olimpíadas do Rio. Chegou lesionada, não se classificou para a disputa de medalha nos 800 m e chegou em 5º nos 1.500 m.

A segundos da largada dos 5.000 m, o telão do estádio Olímpico a mostrou de olhos fechados e cabeça baixa. Ao perceber que era focalizada pela câmera, sorriu amarelo. Quando cruzou a linha de chegada em primeiro, nem isso.

“Eu? Eu?”, ela repetia para si mesma, apontando para o peito, como se não acreditasse.

Incredulidade parecida à de quem testemunhou sua arrancada nos 1.500 m.

Após a conquista da medalha, Sifan Hassan lembrou que sempre fez aquilo que estava em seu coração. Se tinha vontade de algo, simplesmente tentava. Como ganhar três ouros olímpicos, por exemplo. Mas ela deu ao café o crédito merecido.

“Antes da corrida [da final dos 5000], nada me importava. Estava tão cansada… Sem café eu nunca seria campeã olímpica. Precisava da cafeína”, definiu.