Com medalha no peito, Rebeca recebe ligação da mãe, homenageia gerações e exalta Biles
Antes de dar sua primeira entrevista coletiva, a ginasta parou em frente aos jornalistas e contou que sua mãe estava telefonando
Antes de dar sua primeira entrevista coletiva após a conquista da prata em Tóquio, a ginasta Rebeca Andrade parou em frente aos jornalistas e contou que sua mãe estava telefonando. Precisava atender, afinal do outro lado da linha Rosa cobrava uma palavra da mais nova medalhista olímpica.
“Ô mãe, pera aí que eu vou dar entrevista aqui e já ligo para a senhora… Já falei, eu liguei, mas você mandou áudio”, disse, provocando risadas dos repórteres. “Está todo mundo aqui rindo da senhora, que você está me destratando”, brincou, antes de desligar. “Beijo, já te ligo, te amo, tchau.”
O carinho com a mãe é de quem reconhece os esforços para criar sete filhos em Guarulhos (SP). Quando era necessário, Rosa andava a pé para dar à filha o dinheiro da condução. Ela também teve a coragem de permitir que, com 10 anos, Rebeca se mudasse para Curitiba em busca de uma carreira no esporte.
O comportamento afável e tranquilo da atleta diante do feito inédito que acabara de obter para a ginástica artística feminina mostrou parte das razões de ela ter conseguido chegar a esse sonhado resultado.
Após três cirurgias no joelho direito e uma série de oportunidades perdidas devido às lesões, a saída que Rebeca encontrou foi manter a serenidade e a fé. “Eu passei por muita coisa, e o meu objetivo aqui era fazer o meu melhor. Era brilhar, e acho que eu brilhei”, afirmou.
O acompanhamento psicológico que recebe desde os 13 anos de idade ajudou a enfrentar os momentos turbulentos. E o adiamento dos Jogos, provocado mostrou-se fundamental para que ela se recuperasse da última cirurgia com tranquilidade.
“Do ano passado para cá consegui colocar em prática a parte de não me sentir nervosa, de manter o controle, de conseguir fazer tudo o que eu fazia no treino. [O período da] pandemia foi incrível para mim. Pude me cuidar, me conhecer melhor, saber o que era bom, o que era ruim. Eu me conectei comigo mesma, e hoje a gente vê o resultado disso.”
Com a saída da estrela americana Simone Biles da competição, a brasileira se tornou uma das favoritas, o que poderia elevar a pressão sobre o seu desempenho. Rebecam no entanto, mostrou-se tranquila. No fim, alcançou uma pontuação geral ligeiramente abaixo da que havia feito na classificação.
O susto foi quando justamente no solo, um dos seus principais aparelhos e que carregava a empolgação devido à música “Baile de Favela”, ela pisou fora do espaço de apresentação duas vezes. Temeu que o erro pudesse até tirá-la do pódio. “Meu primeiro pensamento foi ‘não acredito, mano, saí do solo duas vezes’. Mas depois o médico começou a me sacudir, disse ‘você conseguiu’, aí eu fiquei feliz para caramba.”
A medalha de Rebeca, primeira ginasta brasileira a subir ao pódio, carrega a marca da representatividade em vários níveis. “Queria muito me sair bem hoje, não digo nem de ganhar medalha, mas fazer uma boa ginástica, ser uma boa inspiração a outras crianças pretas, brancas, todas as crianças que estão vendo.”
Como ela fez questão de ressaltar, o resultado coroa o trabalho de quem veio antes e abriu as portas dentro do universo do seu esporte. “Todas as pessoas que já passaram pela ginástica feminina do Brasil se veem aqui nessa medalha, estão se sentindo orgulhosas de mim e fazendo parte dessa história. Estou só continuando, dando mais um passo na nossa geração.”
‘Biles vai voltar e arrasar’
A medalhista de prata também elogiou a decisão de Biles de não participar da final do individual geral sob alegação de questões de saúde mental. “É muito difícil, porque a forma como ela saiu não foi por uma coisa boa. As pessoas têm que entender que nós não somos um robô. Somos atletas e seres humanos. É um orgulho que ela tenha tomado essa atitude de ter pensado nela em primeiro lugar”, afirmou.
“Ainda mais nos EUA, gente. Não imagino, deve ser uma pressão gigante. E ela deve se cobrar também. Ela é incrível, é a melhor do mundo e todo mundo sabe disso”, disse a brasileira. “O que sempre admirei nela é o psicológico muito forte. Fico triste e ao mesmo tempo muito orgulhosa. Ela foi muito guerreira.”
Rebeca afirmou ainda que espera um retorno da americana em alto estilo. Para fazer ginástica, você tem de estar concentrada e pensar em você. Se você tem cabeça boa, o corpo bom, é um passinho de cada vez. Ela vai voltar aí e vai arrasar”.
Matéria escrita por Daniel E. de Castro e Leandro Colon