Por medalha em Tóquio, vida de Caio Bonfim é marchar, viajar e conhecer juízes
No Rio de Janeiro, há quase cinco anos, o brasiliense terminou a prova na 4ª posição
ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Caio Bonfim, 30, gosta de contar uma história de quando começava a carreira e foi fazer uma série de provas na Europa. Ele viu os árbitros se reunirem, conversarem e olharem na sua direção. Seu técnico português da época depois veio lhe contar o que acontecia.
“Os juízes falavam sobre mim. Queriam saber quem era aquele brasileiro e se perguntavam se eu sabia marchar mesmo”, se recorda.
Tanto sabia que está a cerca de um mês de ir para a terceira Olimpíada de sua carreira. Classificado para a marcha atlética dos 20 km nos Jogos de Londres-2012 e Rio-2016, ele estará na mesma prova em Tóquio. Também estão qualificados Matheus Gabriel de Liz Corrêa e Érica de Sena pelo país.
No Rio de Janeiro, há quase cinco anos, Bonfim terminou a prova na 4ª posição, a cinco segundos do medalhista de bronze, o australiano Dane Bird-Smith. Foi um avanço em relação à estreia olímpica, quando ficou em 39º.
Durante anos ele trabalhou para se certificar que os árbitros da marcha atlética soubessem “quem era aquele brasileiro”. Ao perceber a importância daquilo, seu pai João Evangelista de Sena Bonfim decidiu que o filho tinha de estar presente em todas as provas do circuito internacional, em qualquer continente. Não importava o esforço financeiro.
Não se tratava de um capricho. Foi a percepção que o projeto para torná-lo atleta de ponta na modalidade envolvia também empenho no marketing pessoal.
“Vou dar um exemplo. A China faz eventos de determinadas modalidades, uma delas a marcha atlética. Só leva os melhores atletas e juízes. Ficam todos juntos. Eu sempre fiz questão de ir, não importava a época. Teve um ano em que não fui convidado e paguei tudo do meu bolso para estar presente”, constata.
“Eu tinha de estar lá para que os juízes me conhecessem e vissem que sei marchar. Eles creem que são os guardiões da marcha. Acham que são a própria marcha. Então se te veem sempre, percebem que você sabe marchar e te respeitam. Senão…”, analisa o atleta que se tornou a referência do esporte no Brasil.
Os treinos antes do Jogos têm sido em parques, nas espaçosas ruas de Brasília ou em estradas. Isso fez com que, apesar do fechamento dos clubes por causa da pandemia da Covid-19 em 2020, Bonfim não parasse de treinar e continuasse com a rotina iniciada quando tinha 16 anos. Ou até menos.
Hoje percebe que já estava na marcha atlética sem perceber.
Sua mãe, Gianetti Sena, foi marchadora e era treinada por João Evangelista. Caio participava de provas no início da adolescência mas as considerava brincadeiras. Nunca levou a sério. Seu pai jamais lhe mostrou os resultados, mas constatava que os tempos eram bons. Apenas quando o garoto chegou aos 16 recomendou-lhe abraçar a modalidade.
Foi quando começou a peregrinação para se tornar conhecido. Ou como ele mesmo diz, criar um movimento pela marcha atlética no Brasil. Caminhada que teve altíssimos e baixíssimos. O grande resultado da sua carreira, a medalha de bronze nos 20 km do Mundial de Londres, em 2017, foi sucedida por suspensão de seis meses por doping, no ano seguinte. Ele testou positivo para Bumetanina, um diurético.
Sua defesa foi de contaminação acidental, tanto assim que sequer recorreu da suspensão de seis meses, considerada baixa. A pena máxima seria de quatro anos.
Caio também foi bronze nos Jogos Pan-americanos de 2015, em Toronto, e prata quatro anos depois, em Lima. Antes dele, o Brasil jamais havia subido ao pódio na competição. Muito menos em Mundiais.
São resultados que ele credita à preparação, nas também ao aprendizado de como pensam os juízes. Durante a conversa com a Folha, volta e meia retorna a este assunto. Na marcha atlética, é fundamental entender a psicologia de quem é responsável por aplicar infrações ou até mesmo desclassificar o competidor. Como aconteceu com o próprio Caio no Pan de Guadalajara, em 2011.
“Dependendo do país de origem do juiz, ele está acostumado a um estilo de marcha. A marcação da falta é algo muito subjetivo. Depende da observação. Se você está com o ombro muito baixo, um deles pode achar que você está quicando e não está com os dois pés no chão o tempo todo. Pode não ser isso. São estilos. Eu me adaptei tanto que hoje considero que tenho um estilo mais europeu do que sul-americano”, afirma.
O atleta deve sempre ter pelo menos um pé em contato com o solo durante a prova. A perna que avança precisa estar reta, sem ser flexionada.
Caio queria questionar a sua desclassificação em 2011 porque, ao ler o relatório da competição, constatou que dois árbitros, separados por 200 metros de distância, lhe deram a falta no mesmo momento. Considerou aquilo impossível. Mas como era o iniciante, cedeu aos pedidos para deixa o assunto morrer.
Isso não voltou a acontecer no Mundial de Doha. Após o evento em que ele e outros sul-americanos foram punidos ou desqualificados, o brasileiro chamou os juízes de “tendenciosos.”
“Ali eu ressaltei um fato. Não foi uma opinião. Dez atletas são eliminados e oito deles vêm do continente americano. Se 80% dos juízes são asiáticos ou europeus e os dez primeiros colocados são asiáticos ou europeus, há algo errado. A diferença [em relação a 2011] foi que eu já era um nome estabelecido da modalidade e resolvi falar”, ressalta.
Ele não crê que terá o mesmo problema em Tóquio. Prefere se concentrar na prova. Pode ser a coroação de todo o esforço que já fazia sem saber, quando seu pai olhava os resultados das provas, mas não lhe dizia nada. Ou todas as viagens que fez questão de realizar apenas para se tornar conhecido no meio do esporte.
“Eu vou fazer de tudo para conseguir uma medalha. Não tenho como prometer. Não posso dizer que vou chegar lá e vencer. Eu não sei. Tenho de ser realista. Estou em condições para isso? Muita. Estou na melhor forma da minha vida. Mas nada é garantido no esporte, ainda mais em modalidade como a marcha atlética”, finaliza.