Natação em Tóquio começa com perseguição a recordes de Pequim
As eliminatórias da modalidade nas Olimpíadas de Tóquio começam neste sábado (24/7), a partir das 7h02 (de Brasília)
Quando Cesar Cielo deixou a piscina do Cubo D’Água, após a final dos 50 m livre dos Jogos de Pequim-2008, havia se tornado o primeiro brasileiro campeão olímpico na natação. Também estabelecera o recorde da prova em Olimpíadas (21s30).
Era difícil imaginar à época que, 13 anos depois, no retorno dos Jogos ao continente asiático, a natação teria tão baixa evolução de marcas nos anos seguintes ao recorde de Cielo. As eliminatórias da modalidade nas Olimpíadas de Tóquio começam neste sábado (24), a partir das 7h02 (de Brasília).
O número pode parecer baixo, mas na natação representa várias braçadas de diferença. Foi a maior evolução da modalidade nos últimos 40 anos de Olimpíadas.
Nestas quatro décadas, o segundo maior avanço de marcas de uma Olimpíada para outra havia sido em Los Angeles-1984, com melhoria média de 1,3% nos tempos dos medalhistas.
É preciso ressaltar, porém, que em Moscou-1980 houve um grande boicote liderado justamente pelos Estados Unidos, principal potência da modalidade. Provavelmente, os tempos dos vencedores de 1980 estavam aquém do que poderiam, devido ao boicote, facilitando o enorme salto para 1984.
Para os especialistas, os tempos impressionantes de Pequim em 2008 podem ser explicados pelos equipamentos utilizados na época pelos nadadores. “Esse período de 2007 a 2009 foi a fase dos trajes tecnológicos. Eles foram lançados em 2007, evoluíram em 2008 e chegaram ao auge no ano seguinte, no Mundial de Roma”, afirma Alex Pussieldi, comentarista de natação do Swim Channel.
Embora os trajes tecnológicos tenham começado a ser desenvolvidos desde os anos 90, o salto de qualidade se deu na década seguinte. Em 2008, a Speedo lançou equipamento com tecido ultrafino, que repelia a água e comprimia os músculos. Esses maiôs foram responsáveis pela pulverização de vários recordes mundiais ao longo da temporada.
As concorrentes, as italianas Arena e Jaked, responderam com trajes que cobriam boa parte do corpo, melhorando a flutuabilidade e a compressão muscular. Era uma vantagem competitiva, que foi acentuada em 2009, quando modelo feito inteiramente em poliuretano foi lançado pela Jaked.
As marcas que se seguiram acenturaram uma polêmica que a Fina (Federação Internacional de Natação) teve que lidar. Havia a crítica de que os maiôs, mais do que os atletas, seriam os responsáveis pelo alto nível técnico da natação naquela temporada. No Mundial de Roma-2009, houve a quebra de incríveis 43 recordes mundiais. Ao final da competição, em agosto, a Fina decidiu proibi-los a partir do ano seguinte.
Em termos olímpicos, o reflexo dessa decisão se deu a partir dos Jogos de Londres-2012. Metade dos recordes das Olimpíadas nas provas masculinas ainda remontam a Pequim-2008. Entre as mulheres, a evolução nos tempos foi maior. Nenhuma marca sobreviveu.
Mas se examinada a lista de recordes mundiais, 2009 ainda é um ano-chave nas piscinas. Dez marcas não foram superadas, 12 anos depois. Pode parecer pouco, mas a natação não tem nenhum recorde mundial anterior aos Jogos de Pequim-2008.
Dois deles estão mantidos, incluindo os 400 m medley de Michael Phelps (4min03s84). Para os brasileiros, a herança desses anos dourados nas piscinas está em Cesar Cielo, que mantém as melhores marcas do planeta nos 50 m livre (20s91) e 100 m livre (46s91).
A mudança em relação aos trajes causou a estagnação dos tempos. Se em Pequim-2008 houve evolução entre os medalhistas de 1,7% em relação a Atenas-2004, em Londres-2012 aconteceu melhoria de só 0,13% sobre as Olimpíadas chinesas.
É o pior índice em toda a história dos Jogos. De longe, quem mais afundou foram os homens (0,07%) em relação às mulheres (0,32%). Há uma razão para isso.
“Ainda existem trajes que fazem a diferença. Mas hoje os homens podem usar no máximo a bermuda. E a mulher usa o macaquinho do joelho até os ombros. Então, a superfície do traje feminino cobre pelo menos 50% a mais do que o masculino”, analisa Pussieldi.
Se aumentarmos a linha temporal, Pequim-2008 ainda reverbera. Comparados aos tempos obtidos pelos medalhistas das Olimpíadas na China, o Mundial de 2019, disputado em Gwangju, na Coreia do Sul, apresentou evolução de apenas 0,4%. Após 11 anos, as mulheres mantiveram maior crescimento (0,6%) do que os homens (0,1%).
Mesmo com os trajes proibidos, o legado daqueles anos mágicos ainda poderá ser visto na disputa da natação em Tóquio-2020 na preparação das atuais estrelas das águas, como os norte-americanos Caeleb Dressel e Katie Ledecky, o britânico Adam Peaty, a húngara Katinka Hosszú e a australiana Ariarne Titmus.
“Os treinadores passaram a se preocupar em manter o corpo do atleta alinhado em cima da água. O traje tecnológico foi embora, mas o conceito ficou”, analisa Pussieldi, que acrescenta outra contribuição do período: “Naquela época, os nadadores tinham corpos fortes e volumosos. O maiô fazia a diferença. Hoje, a natação pede atletas fortes e secos. O traje deu uma aula para nós.”