Look rebelde que hoje brilha no skate em Tóquio começou a ser moldado há 50 anos
Camisetas largas, tênis com sola chapada e bonés para cobrir cabelos reforçam espírito rebelde
A turma de skatistas retratada em “Reis de Dogtown”, filme de Catherine Hardwicke, quer ser livre pelas ruas, praias e piscinas vazias da Califórnia dos anos 1970.
Isso se traduz nas invasões de casarões pela cidade e na escapada de casa durante a madrugada para surfar antes do horário da aula. Esse espírito da contracultura também está nos looks dos jovens.
Camisetas largas, tênis com a sola chapada e bonés para cobrir cabelos louros reforçam esse espírito rebelde e descolado dos reis de Dogtown, que marcaram a ascensão do esporte -Tony Alva, Jay Adams e Stacy Peralta. Essa estética começou a ser moldada há 50 anos, mas as peças permanecem como alicerce da cara que o skate tem.
O que mais mudou de lá para cá é que esses looks, sucesso nos Jogos de Tóquio, formaram uma indústria bilionária na moda, com marcas do skate, como Supreme e Vans, ditando tendências em outras grifes. Mesmo antes de o público se apaixonar pelas calças da Rayssa Leal, essas roupas já estavam dando as caras em desfiles recentes.
Essa moda aglutinou referências de outros esportes, como a cultura BMX, com blusas de mangas longas, e a do surfe, como as camisetas listradas dos Beach Boys, um dos expoentes da surf music.
Fernando Hage, coordenador do curso de moda da Faap, diz que há dois movimentos da metade do século 20 que influenciam essa moda. A primeira é a indústria fashion voltar seus olhos aos mais jovens. A segunda é a cultura musical, principalmente o hip-hop, que instaurou um ideal de autenticidade.
“O movimento de rua tem essa ideia de construir a sua identidade por meio das roupas, com a impressão de um estilo pessoal. O skate chegou às Olimpíadas levando isso”, afirma Hage.
É justamente essa ideia que direcionou as atletas brasileiras que competiram no skate em Tóquio. “Quando a gente escolhe nossas roupas, vai muito do estilo e do conforto para ser bom andar de skate”, afirma Yndiara Asp.
O uniforme brasileiro foi confeccionado pela Nike, e a Confederação Brasileira de Skate opinou na produção com participação do skatista Bob Burnquist, na época, presidente da entidade, para chegar aos 20 modelos.
Isadora Pacheco, outra brasileira no skate, contou à reportagem que as atletas passaram um bom tempo decidindo qual seria o look da competição para achar a fórmula que desse a plasticidade adequada para os movimentos na pista.
Márcio Banfi, stylist e professor da Faculdade Santa Marcelina, considera que o estilo “oversized”, que já chegava com os rappers, é a marca mais fundamental que o skate trouxe para a moda.
O esporte começa a despertar um “desejo de moda” no público que nem sequer tem um carrinho quando marcas como a Vans se posicionam no mercado com uma identidade fashion consolidada, afirma Banfi. E o apelo dessas roupas é o de uma “rebeldia jovem, desse espírito livre, mesmo quando se é uma pessoa mais velha”. Nomes como o skatista Tony Hawk também ajudaram a popularizar a cultura do skate fora das pistas.
Mas Fernando Hage defende que quem espalhou essa estética pelo Brasil não foi um americano, e sim Chorão, do Charlie Brown Jr. “Eles traduziram esse estilo aqui, com o blusão, a bermudona, o tênis e o próprio skate”, afirma.
Grifes apontam para o revival dessa estética nos dias de hoje, segundo Hage. É o caso da Vetements, com as calças, e da Off-White, com cintos que lembram as faixas amarelas para contornar áreas isoladas.
Outras marcas de peso apostam na criação de tênis exclusivos, que bebem dessa autenticidade que os skatistas põem nas ruas desde o início da década de 1960. As roupas dos novos atletas olímpicos devem alimentar ainda mais essa engrenagem fashion.
Texto: Caroline Morael e Daniel E. De Castro