Gabi Mazetto vence medos e se fortalece no skate após nascimento da filha
Brasileira que deixou corrida por vaga olímpica na reta final volta ao esporte em grande estilo
Até o início deste ano, a skatista Gabriela Mazetto, 24, confiava que julho de 2021 poderia ficar marcado em sua vida pela participação nas Olimpíadas de Tóquio. O mês de fato representou um marco especial para ela, mas por outro motivo: o nascimento de sua filha, Liz.
Foi no dia 12 de janeiro que a paulista de Praia Grande descobriu a gravidez durante um exame de rotina. Ficou em choque, pois, sem saber da gestação, participava de competições e treinava normalmente. Estava com a cabeça no Japão e sujeita a todo tipo de tombo que o skate proporciona aos seus praticantes.
Poucas pessoas souberam o motivo pelo qual Gabi precisou se afastar da corrida olímpica a partir daquele momento. Como quarta melhor brasileira no ranking mundial da modalidade street, a previsão era que ela disputasse a terceira vaga do país em Tóquio com Leticia Bufoni -Pâmela Rosa e Rayssa Leal, as outras representantes, já estavam mais à frente na classificação.
“Tive que parar de andar de skate e foi difícil aceitar. Era uma gravidez não planejada, então tivemos que trabalhar bem para entrar na minha cabeça que tudo aquilo era normal. Sinceramente, agora eu entendo que foi muito bom, mas quando descobri foi um choque”, conta à Folha.
Liz nasceu em 20 de julho, a três dias do início dos Jogos de Tóquio. Foi quando Gabi se sentiu confortável para abordar o assunto publicamente em suas redes sociais. Até então, no mundo do esporte as conversas sobre o tema estavam restritas a integrantes da Confederação Brasileira de Skate (CBSk) e aos patrocinadores da atleta, que de acordo com ela mantiveram todo o apoio à sua carreira.
A médica a liberou para voltar a andar de skate 15 dias após o parto. Ela decidiu esperar 17 antes de ir até a pista perto da casa da sua mãe, onde começou no esporte. “Estava meio com medo, era tipo voltar de uma lesão”, compara a atleta, que de 2018 a 2019 ficou 14 meses afastada após uma lesão no joelho esquerdo.
“Demorei um pouquinho para voltar a mandar algumas manobras, andar no corrimão, mas acho que a força de vontade foi maior e venci o medo. Depois de alguns dias já estava bem, porém ainda com alguns receios”, completa.
Quis o calendário que a primeira competição do seu retorno já fosse na Street League Skateboarding (SLS), principal circuito do mundo. Gabi precisou abdicar do convite para a primeira etapa, no fim de agosto, mas confirmou presença na segunda, disputada em Lake Havasu (EUA) no último fim de semana.
O resultado conquistado, classificação à final e sexto lugar, surpreendeu. “Na minha opinião eu fui muito bem, muito mesmo. Até então não estava descendo corrimão, estava com medo de andar, assumo [risos]. Foi um resultado muito surpreendente para mim e para as pessoas que assistiram. Apenas três meses após a gestação estar andando em alto nível”, constata. “Depois que eu vi que poderia fazer mais, porque joguei manobras que nem estava treinando direito.”
A paulista voltou à Praia Grande por alguns dias, mas na quarta-feira (10) já vai embarcar novamente para os Estados Unidos. Nos dias 13 e 14, disputará o Super Crown, etapa final da SLS, em Jacksonville. A competição equivale a um campeonato mundial da modalidade street.
É a retomada de uma caminhada que pode levá-la a alcançar os objetivos profissionais que ainda busca. Gabi deseja ter um shape comercializado com seu nome (chamado de promodel) e, se tudo der certo, se classificar aos Jogos de Paris-2024.
Seria a realização do sonho olímpico para a menina que começou no esporte na ginástica artística e por volta dos 12 anos, quando uma pista de skate foi construída perto de sua casa, pensou que poderia ser mais feliz ali do que no ginásio.
“Minha mãe perguntou se era isso mesmo que eu queria, porque ‘o skate não é valorizado, é um esporte marginalizado, de vagabundo’. Disse ‘é isso que eu quero, vou andar de skate e ver no que dá’. Um ano depois disso fui campeã brasileira e vi que era boa mesmo. Comecei a ter bons resultados, e minha mãe foi vendo que era legal e me apoiando mais”, relembra.
As metas de Gabi no skate continuam incentivadas pela família. Ela conta que o pai de Liz, o educador físico Luan Rodrigues, foi o primeiro a querer ver a atleta na pista logo que a médica a liberou. A skatista, que chegou a pensar que não voltaria ao esporte, agora se sente fortalecida no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
“Eu pensava que seria mais difícil do que está sendo. [A Liz] veio para me fortalecer, pensar mais na minha família do que apenas na carreira. Agora tenho que cuidar de uma vida que depende de mim e vou fazer de tudo para que ela fique bem e que eu me sinta bem. Por isso voltei a andar de skate. Quero deixar ela feliz e com orgulho de mim quando crescer e entender tudo o que aconteceu”, reflete.
Ficar seis dias longe da filha pela primeira vez -com direito a um cancelamento de voo que adiou o retorno ao Brasil em um dia- não foi fácil, mas Gabi também teve recompensas inesperadas em Lake Havasu. “Eu senti que as pessoas me acolheram mais e eu me senti mais feliz. Não sei se é porque não me cobrei tanto, tentei relaxar o máximo possível, mas senti que as pessoas ao redor foram muito receptivas.”
Entre os que fizeram questão de cumprimentá-la estavam skatistas consagrados, como Paul Rodriguez e Manny Santiago. “Não pensava que iria receber um abraço por ser uma pessoa forte e voltar a andar de skate do jeito que estou andando agora. Não parece que eu parei de andar, foi o que eles me disseram. Isso me inspira.”
A brasileira ainda tenta entender que agora ela também pode inspirar mulheres no esporte. Durante a transmissão da etapa da SLS no SporTV, a comentarista Karen Jonz comentou sua experiência pessoal, quando foi abandonada por um patrocinador após engravidar, e comemorou o retorno em grande estilo de Gabi.
“A Karen falou que pode até ser que eu não entenda a inspiração que posso ser para pessoas que querem ter filhos, e eu ainda não entendo. Mas pode ser que eu seja uma grande inspiração para várias meninas e mulheres. Eu acho isso muito louco, então continuem acompanhando aí”, finaliza entre risos.