Futebol e capoeira levam Kawan Pereira à semi dos saltos ornamentais – Mais Brasília
FolhaPress

Futebol e capoeira levam Kawan Pereira à semi dos saltos ornamentais

Ao fazer 371,65 pontos e ficar na 17ª colocação, a maior revelação dos saltos sincronizados do país se classificou para as semifinais

Kawan Pereira
Foto: Wander Roberto/COB

Com apenas as pontas dos pés apoiadas na plataforma e de costas para a piscina, Kawan Pereira, 19, fechou os olhos antes do salto e quem estava em volta na piscina do Centro Aquático de Tóquio fez silêncio. Foram quatro piruetas e a queda na água com o corpo mais reto possível. Das poucas pessoas presentes no local, duas aplaudiram.

Ao fazer 371,65 pontos e ficar na 17ª colocação, a maior revelação dos saltos sincronizados do país se classificou para as semifinais na plataforma de 10 m individual. As vagas para a final serão disputadas nesta sexta-feira (6/8), 22h, horário de Brasília.

Para os olhos de um espectador comum, é difícil descobrir o que ele fez errado. Não só Kawan, mas quase todos os outros competidores parecem realizar saltos perfeitos. Estes recebem notas entre 6 e 7,5. Ninguém ganha 10. Mas o brasileiro sabe o que não foi de acordo com o planejado.

“O primeiro salto foi bom, mas houve alguns da minha série [de seis tentativas] que dava para acertar melhor. Passei [para a semifinal], fiz minha parte. Amanhã [noite de sexta, 6, no Brasil] vou fazer uma competição bem melhor e consertar o que tem de ser consertado”, explicou o brasileiro.

Ele e Isaac Souza, 22, são apontados como o futuro da modalidade do país. Também presente na qualificatória, Isaac ficou em 20º. Classificaram-se os 18 melhores.

O passado esportivo da maioria dos competidores é a ginástica artística. Há semelhanças óbvias. O malabarismo, a necessidade de começar cedo e ter determinado biotipo. Isso não é uma questão fechada. O colombiano Sebastián Villa Castañeda, por exemplo, salta de plataformas de 10 m, cai de cabeça e tem medo de altura.

O talento de Kawan foi percebido no futebol e graças às suas comemorações de gols, que chamaram mais atenção que o seu desempenho, prova que não era muito bom com a bola nos pés. Mas dar salto mortal em campo despertou o interesse de Laércio Nicolau, professor do Centro de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (Cose), programa social no Gama, Distrito Federal, no qual o garoto de oito anos estava matriculado.

“Fui fazer a peneira [de saltos] e acabei aprovado”, diz o semifinalista olímpico.

Ele tem um aspecto físico que difere dos outros. Seu peso não foi divulgado, mas parece ser mais parrudo que os demais. É o único que usa brinco. Também é aquele a poder dizer que técnicas de capoeira o ajudaram a chegar aos Jogos Olímpicos. Nessa luta, o brasileiro aprendeu os mortais que, no final de tudo, foram seu passaporte para as piscinas.

Kawan se dá bem em Tóquio. Ele foi semifinalista da Copa do Mundo disputada na capital japonesa em maio deste ano. Entre 47 competidores, se classificou na 4ª posição, desempenho que garantiu seu lugar nos Jogos. Antes disso, havia sido bronze no Pan-Americano de Lima, em 2019, em dupla com Isaac.

Pela primeira vez o Brasil classificou quatro atletas, entre homens e mulheres, para os saltos ornamentais. Além dos dois, disputaram a modalidade a também estreante Luana Lira (trampolim de 3 m) e a experiente Ingrid Oliveira (plataforma de 10 m), que esteve na Rio-2016. Apenas Kawan obteve a classificação para a semifinal.

“No começo não achei que ia ficar nervoso, mas acabei ficando um pouco. Eu espero me classificar para a final, seria um sonho. Não estamos em busca de medalha ainda, mas uma final dá para pegar”, analisa. Ele considera que isso já seria um resultado histórico.

Trata-se também de trajetória improvável para o garoto que se mudou em 2009 com a mãe e os irmãos para o Distrito Federal.

“Meu pai não queria ficar com a gente e ela veio para Brasília procurar trabalho”, explica o saltador nascido em Parnaíba, litoral do Piauí, distante a 330 km de Teresina.

Kawan começou no esporte para ter algo o que fazer e não ficar em casa sozinho. Foi quando apareceu a capoeira, o futebol society e, por fim, os saltos ornamentais. Nessa modalidade, com disputas individuais e em duplas, é na primeira que ele se encaixa melhor, devido a sua personalidade reservada, de não falar muito.

A empolgação de se classificar para a semifinal poderia fazer com que o brasileiro prometesse mais do que poderia entregar. Mas ele lembra que não é o seu momento, por enquanto, para subir ao pódio.

Com apenas 19 anos, ainda há muito por acontecer. Vários saltos mortais como os que dava nos campos de society do Gama.

“O que vem agora? Ganhar mais experiência”, resume.

Matéria escrita por Alex Sabino