Bolsonaro é incapaz de pôr Brasil no centro das tecnologias sustentáveis, diz Di Grassi
Piloto campeão da FE vê país atrasado na transição para carros elétricos e culpa presidentes
Há 12 anos, Lucas Di Grassi, 36, migrou da F1 para a FE, deixando para trás a categoria de carros movidos com motores a combustão para ser um dos idealizadores do campeonato de veículos elétricos, criado em 2014. De lá para cá, o piloto passou a ser umas das principais vozes no automobilismo mundial em defesa de soluções de mobilidade urbana com fontes de energia renováveis.
Campeão na temporada 2016/17 e prestes a iniciar no dia 28 deste mês seu oitavo ano consecutivo na FE, o paulista acredita que o Brasil esteja atrasado no processo de transição de tecnologia pelo qual passa toda a indústria automotiva.
Nesta entrevista à reportagem, Lucas diz que o “governo Bolsonaro é incapaz de realizar movimentos tecnológicos que fariam o Brasil ser o centro do mundo em tecnologias relacionadas à sustentabilidade”, mas também culpa os presidentes anteriores. “Nem o Fernando Henrique, nem o Lula, nem ninguém em toda a nossa vida democrática colocou o país numa rota de tecnologia adequada.”
Embaixador do Programa da ONU (Organização das Nações Unidas) Para o Meio Ambiente, o piloto conta ainda que teve recentemente um encontro com membros do governo Bolsonaro para apresentar algumas de suas ideias, mas não “avançou para nada concreto”.
Entre os presidenciáveis atuais, diz gostar das propostas de Luiz Felipe d’Avila, do partido Novo, e também não descarta entrar para a política. “Não interessa o governo, interessa que a gente acelere o Brasil.”
Pergunta – Como está o processo de adaptação à equipe Venturi depois de sete anos correndo na FE pela Audi?
Di Grassi – Esse processo é rápido porque na FE os carros são muito parecidos. Eu mudei do trem de força da Audi para o da Mercedes [utilizado pela Venturi]. Isso é uma diferença grande, mas, como os dois são competitivos, a eficiência do carro é parecida. O que muda é como os controles são feitos, como a estratégia de uso de energia é feita. Então, o processo de adaptação é mais com a equipe, entender como o engenheiro pensa.
P. – Quando a Audi resolveu sair da FE, após o último ano, você cogitou deixar a categoria e até mesmo se aposentar das pistas?
DG – Talvez tirar um ano sabático, sim. Chegou uma hora em que as únicas opções viáveis eram equipes que não são competitivas. Gosto de automobilismo por ser competitivo. Sem isso, não teria problema de tirar um ano sabático ou realmente me aposentar e fazer outra coisa, como criar uma empresa no Brasil ligada à sustentabilidade. Mas, como consegui vaga na Venturi, que é excelente, achei que era uma opção muito viável e estou motivado a continuar porque dá para ganhar o campeonato.
P. – Como foi sua participação no desenvolvimento da FE?
DG – Eu entrei na FE antes de a categoria ser registrada, acho que eu fui o empregado número 2. Nesses dois anos iniciais, eu ajudei a construir o campeonato. Eu fico muito feliz de ver um projeto como a FE, de que muitos davam risada no início, achavam que mobilidade elétrica não era o futuro, e agora cada vez mais vai caindo a ficha. Muitos países europeus, sobretudo os mais desenvolvidos, entenderam que o futuro é elétrico e estão deixando de fazer carros a combustão. O Brasil, porém, apesar de ter tido dois campeões na FE, demora a entender os conceitos novos. O brasileiro está sempre cinco, dez anos atrás em termos de tecnologia em praticamente tudo.
P. – Esse cenário que você desenhou sobre o Brasil é o motivo pelo qual a categoria ainda não caiu no gosto popular, como a F1?
DG – Tem a falta de estrutura, sim, a falta de um carro elétrico popular, não ter tido uma corrida de FE no Brasil. E tem um fator cultural: quando eu entro nos principais portais do Brasil e vejo as notícias que são mais lidas no dia, eu fico surpreso negativamente pelos assuntos por que o brasileiro se interessa. O brasileiro tem uma dificuldade de entender as tendências de tecnologia. E, como a FE mistura um pouco disso, demorou um pouco mais para ser aceita.
P. – Como surgiu o convite da ONU para você ser embaixador para o meio ambiente?
O convite veio pela FE. Eu conheci o pessoal da ONU em Paris, e nós tivemos reuniões sobre veículos elétricos. Quando se fala sobre isso, muita gente já pensa no aquecimento global, mas o principal motivo de se ter carros elétricos não é o aquecimento, mas, sim, ter emissões zero [de carbono] nas cidades. Com isso, melhora a qualidade do ar, diminui o barulho, e melhora não só a saúde mas a qualidade de vida no geral das pessoas.
P. – Você já declarou que o Brasil tem o cenário ideal para ter uma matriz energética totalmente renovável. No entanto, um dos principais atores, o presidente Jair Bolsonaro, tem tido uma gestão muito criticada por especialistas sobre as questões ligadas ao meio ambiente. Como você avalia o governo dele nesse ponto?
DG – O governo Bolsonaro é incapaz de realizar movimentos tecnológicos que fariam o Brasil ser o centro do mundo em tecnologias relacionadas à sustentabilidade. O nosso país é extremamente sustentável. Nossa matriz já é, com governo Bolsonaro ou não, 80% renovável, com energia hídrica e solar. E pode ser 100% ou até negativa. Podemos trocar carbono com a Europa e preservar um pouco mais a Amazônia. A gente tem um potencial fotovoltaico gigantesco. Mas não só o governo Bolsonaro, o governo Lula também poderia ter feito esse movimento. Já a Dilma fez o aposto, aumentou o uso de termoelétricas. Agora, o Bolsonaro acabou de assinar um novo contrato até 2040 para gerar energia de carvão. Nossa cultura é antagônica em relação à tecnologia. A gente não teve um líder nos últimos 20 anos com capacidade de direcionar o país para acabar com a pobreza com o desenvolvimento da indústria e tecnologia. A gente não teve um estadista, nem o Fernando Henrique, nem o Lula, nem ninguém na nossa vida democrática colocou o país numa rota de tecnologia adequada.
P. – Você esteve em Brasília para apresentar algumas ideias ao atual governo. Como foi a recepção ao que foi apresentado?
DG – No atual governo, eu tive algumas conversas sobre crédito de carbono, que é basicamente um incentivo financeiro para as indústrias aumentarem a eficiência e diminuírem a emissão de carbono de uma forma que funcione. Não adiante só banir canudo de plástico. Fui conversar sobre quando o Brasil poderia ter esse comércio de crédito de carbono com a Europa, com a China, com os Estados Unidos. Hoje em dia, a Europa não deixa as empresas comprarem crédito de carbono do Brasil. Se deixasse, a gente teria bilhões de reais entrando no país, valorizaria o real e diminuiria a inflação. Fui falar sobre fotovoltaica e sobre os carros elétricos também. Mas foi uma conversa bem inicial, não foi nada concreto.
P. – Dos presidenciáveis atuais, com qual você se identifica?
DG – De todos eles, o que se alinha com as minhas ideias é o Luiz Felipe d’Avila, do Novo. Eu converso bastante com ele. Ele tem alguma chance? Tem pouquíssimas, é desconhecido, não quer ser populista.
P. – Pensa em seguir carreira política?
DG – Se eu fosse para a política, eu iria mais para uma função executiva do que eletiva. Eu gostaria de focar aquilo em que eu sou bom e poder ajudar. No futuro, por que não?