Atletas ‘surgem’, se recuperam e evoluem após adiamento da Olimpíada
O tempo adicional de preparação também ajudou quem já vinha em ascensão
DANIEL E. DE CASTRO
TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – A pandemia da Covid-19 prejudicou a preparação de muitos atletas olímpicos, impedidos de treinar ao longo de meses, e alimentou suas ansiedades. Mas o adiamento dos Jogos de Tóquio, ainda que por um motivo catastrófico, também se mostrou benéfico para esportistas em ascensão, que se recuperavam de lesões ou simplesmente desejavam um ano a mais para se aprimorar.
É o caso do velocista Felipe Bardi, 22. Campeão mundial escolar, ele integra uma geração de corredores que surgiu com destaque no atletismo brasileiro nos últimos anos. Em 2018, no entanto, uma lesão no púbis o tirou de ação por quatro meses.
No ano seguinte, ainda atormentado por outros problemas físicos, não conseguiu deslanchar e viu de longe a equipe do revezamento 4 x 100 m ser campeã mundial. Ficou feliz pelos companheiros, mas sabia que tinha condições para estar no grupo.
No começo de 2020, o atleta de Americana, interior de São Paulo, estava confiante de que a temporada seria promissora, mas veio a pandemia. A primeira reação foi de frustração. Depois, ele tentou se adaptar com treinos improvisados em casa para não perder a forma recém-adquirida.
Bardi percebeu que o adiamento dos Jogos poderia não só representar a chance de se classificar, mas também de chegar mais bem preparado para o evento.
“Eu consegui rever o que estava errando e voltei a treinar pensando nos Jogos Olímpicos depois que eles foram adiados. Queria fazer o dobro para conseguir chegar melhor neste ano”, afirma.
Até 2019, sua melhor marca nos 100 m rasos era 10s23. No ano passado, ele alcançou 10s11, e em abril de 2021 baixou para 10s10. O desempenho recente o credenciou como segundo melhor velocista do país, atrás de Paulo André Camilo, e o recolocou no time de revezamento que almeja uma medalha em Tóquio.
Há dois anos, a ginasta Rebeca Andrade lesionou o joelho direito e teve que passar por sua terceira cirurgia no local. Perdeu o Mundial de 2019, e o Brasil não conseguiu classificar sua equipe feminina para Tóquio.
O salto de 2020 para 2021 ajudou a atleta a se preparar melhor e recuperar a confiança. No Pan de Ginástica do Rio, disputado em junho deste ano, conquistou o ouro e a vaga olímpica.
“Com certeza [o adiamento foi positivo], porque eu estava vindo de uma recuperação, então esse período a mais foi muito importante, tanto para o meu físico quanto para o mental. Para você se sentir confortável, leve, é complicado. As minhas duas primeiras semanas, nossa senhora, foram tensas. Mas em seguida parecia que eu era um foguete”, diz a atleta de 22 anos.
“A equipe técnica tinha que me controlar para a gente não passar por cima do nosso processo. Eu tinha ficado um período em casa, tinha que voltar para a musculação, porque qualquer erro podia machucar outra coisa, então nós tivemos que ser muito inteligentes”, completa.
Quando os Jogos foram adiados, em março de 2020, Ana Cristina tinha 15 anos e ainda não havia disputado uma Superliga de vôlei. Promovida ao elenco adulto do Sesc Flamengo para a temporada 2020/21, ela confirmou as expectativas e se destacou. Foi convocada para disputar a Liga das Nações e, aos 17, permaneceu no grupo de convocadas de José Roberto Guimarães para a Olimpíada.
“Acho que a ficha ainda não caiu, mas estou imensamente feliz. Não esperava estar aqui tão nova. Estou me dedicando ao máximo e ajudando meu time da melhor forma que eu posso”, afirma.
Da mesma forma que a jovem Ana Cristina, um dos mais experientes da delegação brasileira, Robert Scheidt, 48, também viu o adiamento como ponto positivo para que pudesse se preparar para velejar em sua sétima Olimpíada.
Além dele, os longevos Rodrigo Pessoa (hipismo), Formiga (futebol) e Jaqueline Mourão (ciclismo) não esmoreceram com o adiamento e baterão o recorde brasileiro de participações.
“A pandemia é uma tragédia global e me solidarizo com todas as pessoas que perderam entes queridos. Em relação aos Jogos, o adiamento foi a medida certa. No meu caso, esse período a mais de preparação acabou sendo favorável. No ano de 2020 eu não vinha em uma fase muito boa, tive problemas físicos, com lesões, e não fiz um bom Campeonato Mundial”, diz Scheidt.
O campeão olímpico diz que conseguiu se organizar melhor, ajustar alguns pontos na preparação e mexer em outros aspectos que não estavam no estágio ideal. “Trabalhei muito duro nesse período e consegui elevar meu nível”, completa.
O tempo adicional de preparação também ajudou quem já vinha em ascensão e conseguiu evoluir ainda mais, mesmo desafiando condições precárias de treinos em algum momento. Alison dos Santos, 21, fenômeno brasileiro dos 400 m com barreiras, ficou um ano sem competir, mas quando voltou retomou a mesma pegada de 2019: baixando seu tempo sistematicamente.
Da melhor marca de dois anos atrás (48s28) para a melhor deste ano (47s34), a diferença foi de quase um segundo, uma evolução notável no seu desempenho.
A possível surpresa passou a ser grande candidato a subir no pódio em Tóquio. Uma medalha de ouro só não parece tão próxima porque o principal atleta da prova, o norueguês Kaster Warholm, também se manteve em alta e recentemente quebrou o recorde mundial que já durava 29 anos.
Aliás, o atletismo põe em xeque o pensamento inicial de que essa Olimpíada não teria grandes marcas por conta da pandemia e das dificuldades de preparação. Desde a retomada das competições, no segundo semestre do ano passado, já foram oito quebras de recorde em provas olímpicas.