Atletas se mobilizam após sumiço de tenista chinesa que acusou político de assédio

Peng Shuai denunciou em rede social que ex-vice-premiê da China a forçou a ter relações sexuais

O mundo do tênis começou nos últimos dias a se manifestar sobre o caso de Peng Shuai, 35, estrela chinesa do esporte que acusou, no início do mês, o ex-vice-premiê do país Zhang Gaoli de forçá-la a ter relações sexuais.

De acordo com as agências de notícias, Peng não é vista desde que revelou o episódio em uma rede social chinesa, em uma mensagem deletada posteriormente.

Sob a hashtag #whereispengshuai (onde está Peng Shuai), atletas como Naomi Osaka, que tem quatro títulos de Grand Slam na carreira, compartilharam preocupação nas redes sociais. “Fui recentemente informada de uma colega tenista que desapareceu pouco depois de revelar ter sido sexualmente abusada”, escreveu a japonesa nesta terça (16/11). “Censura nunca é ok sob nenhum custo. Espero que Peng Shuai e sua família estejam seguras e bem.”

O número 1 do circuito masculino, Novak Djokovic, também se pronunciou. “Não sei muito sobre o assunto, escutei algumas coisas já faz uma semana e honestamente é surpreendente que [ela] tenha desparecido”, afirmou, em entrevista coletiva nesta segunda (15). “Espero que a encontrem e que esteja bem. É terrível.”

Também aderiram ao movimento a ex-jogadora americana Chris Evert e a francesa Alizé Cornet (59ª no ranking). “Conheço Peng desde que ela tinha 14 anos, todos deveríamos estar preocupados, é grave. Onde ela está? Está a salvo? Toda informação será bem-vinda”, escreveu Evert no domingo (14/11).

Sob pressão diante das especulações sobre o paradeiro da ex-número 1 do ranking mundial de duplas, a Associação Feminina de Tênis (WTA, na sigla em inglês), apoiada pela entidade reguladora do tênis masculino (ATP), pediu que a China investigue as acusações. Ao jornal americano The New York Times, o presidente da WTA garantiu ter recebido a confirmação de diversas fontes, incluindo a federação chinesa, de que Peng está segura e livre de ameaças físicas.

“Estamos profundamente preocupados pela incerteza em torno da segurança imediata e da localização de Peng Shuai. As recentes garantias recebidas pela WTA nos tranquilizaram, e continuaremos acompanhando a situação de perto”, disse o presidente da ATP, o ex-tenista Andrea Gaudenzi, em comunicado.

O Conselho de Informação Estatal da China e a associação de tênis do país não responderam ao pedido de comentários da agência Reuters quando a WTA se pronunciou sobre o caso.

A acusação de peng shuai Segundo uma captura de tela da conta verificada de Peng no Weibo, espécie de Twitter chinês, a tenista afirmou que Zhang, que fez parte do Comitê Permanente do Politburo, órgão que representa a cúpula do Partido Comunista, a coagiu a fazer sexo e, depois, eles tiveram uma relação consensual intermitente. Na mensagem, a esportista dizia não ter evidências que sustentassem suas alegações.

O post foi excluído cerca de meia hora depois de ser publicado, o que não evitou um aumento na procura pelo nome de Peng na hipercontrolada e censurada internet chinesa. Reproduções de tela também foram compartilhadas em grupos fechados nos aplicativos WeChat e iMessage.

Zhang, hoje com 75 anos, foi vice-premiê da China entre 2013 e 2018. Ele também foi secretário do partido na província de Shandong e integrou o Comitê Permanente do Politburo entre 2012 e 2017. Peng, por sua vez, foi a número 1 no ranking mundial de duplas em 2014, tornando-se a primeira tenista chinesa a alcançar o topo da lista, após conquistar os torneios de Wimbledon em 2013 e Roland Garros em 2014 (ambos ao lado da taiwanesa Hsieh Su-wei).

#METOO CHINÊS

Por anos, casos de assédio e abuso sexuais raramente foram abordados publicamente no país. O cenário mudou em 2018, quando o movimento #MeToo chegou à China, após uma estudante universitária em Pequim acusar um professor de assédio. O episódio chamou a atenção de ONGs, da imprensa e de outros setores.

Neste ano, as denúncias voltaram a ganhar força, com casos como o do ator, modelo e rapper Kris Wu. Ex-integrante de uma banda K-pop, ele foi exposto pela influenciadora Du Meizhu, em caso que veio a público depois de a jovem ter concedido entrevista a um site.

Segundo o comunicado da polícia na época, o agente de Kris pediu a Du que fosse à casa do cantor com o pretexto de selecioná-la para aparecer em um videoclipe. Ao chegar ao local, a jovem, menor de idade na ocasião, teria sido forçada a consumir álcool e a fazer sexo com ele. Ela também acusou o cantor de aliciar mais de 30 menores de idade e de forçar relações com elas. Kris negou as acusações, mas perdeu contratos milionários com patrocinadores.

Outra acusação contra um famoso que reverberou neste ano foi a do apresentador da Hunan Satellite TV Qian Feng. À frente de vários programas de variedades, ele era conhecido por fazer piadas de cunho sexual e comentários machistas na televisão.

Qian se tornou centro de uma enorme polêmica depois de uma mulher, identificada na internet como Xiao Yi, divulgar no Weibo que foi abusada sexualmente por ele em 2019. Ela contou que, ao aceitar jantar com o apresentador em Xangai, foi insistentemente encorajada a consumir uma quantidade excessiva de álcool até perder a consciência.

No dia seguinte, acordou nua no apartamento de Qian, sem se lembrar do que aconteceu após o jantar. Segundo ela, o apresentador assumiu o abuso e disse ter usado preservativo com ela.

Qian teria oferecido dinheiro para que a vítima ficasse calada. Ela não aceitou e procurou a polícia, que se recusou a dar prosseguimento à queixa porque o apresentador “pediu perdão”. Xiao disse que desenvolveu depressão profunda e tentou cometer suicídio várias vezes depois do ocorrido.
Após a denúncia, o apresentador foi afastado e investigações sobre o caso foram reabertas -as autoridades negaram o encerramento da apuração anterior devido ao pedido de desculpas.

Internet na China

Assim como no caso de Xiao e Peng, as redes sociais costumam ser o principal canal de exposição das denúncias, pois a imprensa local em geral não cobre o tema. Ainda assim, as discussões nos espaços online não fogem dos olhos do governo, que vigia a internet no país -evitando, por exemplo, publicações que falem mal do regime.

Para isso, criou-se uma série de leis e ferramentas digitais de bloqueio, como parte de uma política que vem sendo aprimorada desde os anos 1990. As empresas do mercado digital do país são obrigadas a fiscalizar e restringir a atividade dos usuários, sob pena de perderem o direito de operar. Cidadãos que violam as regras podem ser multados e presos.

O controle da internet é parte da política de censura do Partido Comunista Chinês, que veta também a circulação de notícias e informações que desagradem ao governo ou que, na visão do regime, possam gerar problemas para a sociedade.

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