Alison dos Santos ‘xaveca o momento’ e leva o bronze nas Olímpíadas
Atleta disse que ao sair de casa no início do ano, para treinar nos Estados Unidos, foi para fazer história
Não é que Alison dos Santos, 21, ficou ansioso antes de ganhar a medalha de bronze na final dos 400 m com barreiras. Ele teve medo de sentir medo. Decidiu relaxar. Ou, como ele mesmo definiu, “xavecar o momento”.
Colocou os fones de ouvido para escutar “O Menino que Virou Deus” do rapper Kyan. Era a mesma música que sua família cantava antes da prova, em São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, a 18 mil quilômetros de distância de Tóquio. O corredor brasileiro não se surpreendeu quando lhe contaram isso.
“Quem me conhece, sabe”, definiu, sobre seus gostos musicais.
Descontraído e brincalhão após o maior momento da sua vida, ele disse que ao sair de casa no início do ano, para treinar nos Estados Unidos, foi para fazer história. Trajetória que achou semelhante à da música que escutou antes de pisar na pista do Estádio Olímpico de Tóquio.
“Trouxe comida para dentro de casa, esperança para dentro de casa. Quem só sentia a dor e a revolta, trouxe a melhora para dentro de casa”, diz a letra de Kyan.
A história foi feita. Não apenas porque ao chegar em terceiro lugar, Alison dos Santos ganhou a primeira medalha do atletismo brasileiro em Tóquio. E talvez a única. Nem por ser o primeiro pódio em uma prova individual de velocidade de um atleta do país na modalidade desde que Robson Caetano foi bronze em Seul-1988.
Entre os Jogos na Coreia do Sul até a madrugada desta terça-feira (3, horário de Brasília), o atletismo nacional havia obtido medalhas com revezamentos, saltos ou maratona.
A final dos 400 m com barreiras das Olimpíadas de Tóquio ficará marcada como uma das corridas mais fortes da história do atletismo. O quinto colocado, Abderrahman Samba, do Qatar, fez um tempo (47s12) que lhe daria o ouro na Rio-2016.
Karsten Warholm, da Noruega, bateu o recorde mundial, que era dele mesmo, com 45s94. Baixou o tempo em 0,76 décimos de segundo. O medalhista de prata, o americano Rai Benjamin, também superou aquele que, até esta segunda-feira (2/8), era o melhor tempo da história. Alison fechou o pódio em terceiro com 46s72, sua melhor marca pessoal e recorde sul-americano.
“Foi uma prova louca, muito forte. Foi algo incrível. Mas serviu para mostrar que eles também são de carne e osso. Eles sangram como a gente”, resumiu o brasileiro.
Ele quis dizer que é capaz de diminuir cada vez mais a diferença para Benjamin, 24, e, principalmente, Warholm, 25. Alison terá pelo menos mais dois ciclos em boas condições de disputa. Nos Jogos de Los Angeles, em 2028, estará com 28 anos.
O brasileiro tem um diferencial que, no futuro, pode se tornar ainda mais preponderante. Ele nasceu para correr. Da sua altura de 1,98 m, tem 1,12 m de pernas. As passadas largas e coordenadas passam a impressão que não se esforça.
“Quando o Alison está correndo, não parece que está correndo”, definiu seu técnico Felipe Siqueira.
A música que escutou e o relaxamento fizeram com que voltasse a ser o Alison de sempre. Ensaiou um passo de dança ao ser anunciado pelo sistema de som do estádio. Sorriu boa parte do tempo. Nos quase 47 segundos de prova, teve o controle da situação para ir ao pódio. Apenas não conseguiu se aproximar do norueguês, que fez uma das corridas mais memoráveis da história dos Jogos.
Foi com a medalha conquistada que a realidade bateu. Ele cumprimentou os outros dois medalhistas, abraçou Samba e se ajoelhou. Fez uma oração, benzeu-se duas vezes e procurou onde poderia encontrar uma bandeira verde e amarela. Porque, como o próprio atleta definiu, ele não corre apenas com o nome “dos Santos” na barriga. Acima dele, está escrito Brasil.
“Eu te falei. Não te falei?”, ele disse ao abraçar o assessor do COB (Comitê Olímpico do Brasil). Riu das perguntas dos jornalistas e fez o que se propôs a fazer. Divertiu-se. Continuava a xavecar o momento.
É mais do que o menino Alison poderia sonhar. Hoje ele percebe o que o atletismo fez por ele, não apenas na questão física, de dinheiro ou fama. O esporte lhe deu confiança e certeza de que era igual a todos os outros. Para quem assistiu às provas pela TV, a imagem do atleta com falhas no cabelo e manchas na cabeça se tornou normal.
Com 10 meses de vida, o óleo quente que estava em uma frigideira caiu sobre sua cabeça. Com queimaduras de terceiro grau também nos ombros e no peito, passou cinco meses internado no Hospital de Barretos. Quando andava na rua durante a juventude, sentia os olhares e percebia os comentários de outras pessoas quanto à sua aparência.
“O atletismo me fez ser uma pessoa diferente. Eu melhorei, passei a me aceitar mais. Não tinha motivos para ter vergonha. Todos somos iguais. São batalhas que eu venci. São marcas”, define.
Em seguida, ele cita frase que é quase idêntica à canção que escutou antes de fazer a história a que se propôs.
“Eu saí de casa e só vou voltar quando cumprir a missão que me foi dada.”
A recompensa para ele não será apenas a medalha. Não vê a hora de, quando chegar de volta a São Joaquim da Barra, tomar tubaína.