É agressivo e excessivo o que fazem com Neymar, diz Renato Augusto – Mais Brasília
FolhaPress

É agressivo e excessivo o que fazem com Neymar, diz Renato Augusto

Meia do Corinthians afirma que não suportaria a pressão encarada pelo atacante

Foto: Reprodução

Renato Augusto, 33, chama a atenção dentro de campo pela capacidade de executar múltiplas funções e pela facilidade de leitura do jogo. Fora de campo, destaca-se de boa parte dos colegas pela franqueza com que aborda temas sensíveis, sem lançar mão de respostas prontas.

Se prefere não falar de questões políticas, por não julgar ter o conhecimento necessário, não foge de assuntos com os quais tem maior familiaridade. Por exemplo: a pressão enfrentada constantemente por Neymar, 29, seu velho companheiro de seleção.

“Eu acho muito agressivo, muito excessivo tudo o que fazem com o Neymar. No lugar dele, talvez não teria aguentado muita coisa que já aguentou. Eu o admiro muito pela força e pela pessoa que é”, disse à Folha de S.Paulo, referindo-se às críticas e ao escrutínio da vida pessoal do jogador do Paris Saint-Germain.

“Pode chegar uma hora em que ele não vai mais aguentar, é um ser humano também. Nós não suportamos tudo, qualquer um é assim. Você vê muitos atletas de altíssimo nível no meio das Olimpíadas falando da pressão mental excessiva, não aguentam mais”, acrescentou.

Em boa fase no Corinthians, Renato admitiu ter retornado, no ano passado, com medo de não repetir o desempenho de sua primeira passagem pelo clube, entre 2013 e 2015. Mas ele vem mostrando sua qualidade técnica e uma renovada paixão pelo esporte.

“Eu estava de saco cheio dessa coisa de concentração, tem uma hora que cansa. Eu queria ficar mais perto da família, mas veio a pandemia e me mostrou um grande aprendizado. Senti falta da viagem, da concentração, do futebol…”, contou.

Após cinco temporadas no Beijing Guoan, da China, o meia voltou em agosto e se tornou um dos principais nomes da campanha que, apesar das críticas, reconduziu o time alvinegro à Copa Libertadores.

É essa competição que ele trata como prioridade agora. A possibilidade de disputar a Copa do Mundo no Qatar, no fim do ano, ele deixa para depois.

“Vou ser sincero: não penso em seleção. O meu sonho é ganhar a Libertadores. Isso, sim, pode me credenciar a uma possibilidade.”

Pergunta- Fazia tempo que o Corinthians não tinha tantos nomes de peso. É por isso que a exigência tem sido alta, com críticas ao desempenho?

Renato Augusto – A tendência é que neste ano possamos atingir um nível alto. Sabíamos que no ano passado não chegaríamos. Seria injusto cobrar isso. Mesmo assim, conseguimos fazer bons jogos, subir na tabela, classificar para a Libertadores. Então, neste ano, a tendência é deslanchar mais. Estamos nos conhecendo melhor também. Não conhecia muito, não sabia do que cada um gostava no campo, e isso faz uma diferença.

P. – E por que acha que o Sylvinho é tão criticado? Considera justo?

RA – As críticas vêm muito de fora porque daqui temos total confiança no trabalho. É difícil dizer se são injustas porque o torcedor tem direito de tudo, mas a gente tem o nosso direito de estar no dia a dia e sentir que o trabalho está sendo bem-feito. Às vezes, queremos uma coisa muito imediata. Chegou, resolveu e acabou, mas tudo exige um processo. Outros clubes entenderam esse processo, como o Flamengo, que demorou um tempo para conquistar, e o próprio Atlético-MG. Acho que é natural isso, não podemos colocar a culpa em uma só pessoa.

P. – Há semelhança dele com o Tite?

RA – Tem semelhança na forma de pensar o futebol, mas, ao mesmo tempo, tem o jeito dele e a forma dele de executar. Acho que tem muita coisa ligada ao Tite, sim, mas com coisas que são dele. Acredito que esteja no caminho certo, gosto bastante da forma como trabalha. Ele tem apoio aqui dentro. O Tite, antes de ser um grande treinador vitorioso no clube, pediram que fosse embora. Não queriam mais ele aqui, e depois se tornou o que é hoje. Nada como o tempo para resolver pendências, para consolidar um trabalho.

P. – E você mantém conversas com o Tite?

RA – Não falei com ele [desde o retorno]. Só nos esbarramos aqui um dia em que a seleção veio treinar, foi bem rápido. Nada de parte profissional, mais o pessoal. E só.

P. – Ajuda o fato de a Copa ser no fim do ano? Você pensa nisso?

RA – Vou ser sincero: não penso em seleção. O meu sonho é ganhar a Libertadores. Isso, sim, pode me credenciar a uma possibilidade. Não posso dar um passo maior do que a perna, ou vou cair. Tenho que estar bem primeiro. O meu projeto era chegar e estar bem, agora quero pensar em coisas maiores como um título de expressão. Se vier a seleção, quem não quer? Sempre amei estar ali, mas hoje o meu foco principal está no Corinthians.

P. – Falando em seleção, ainda incomoda a eliminação para a Bélgica na Copa de 2018 e a bola que não entrou?

RA – Hoje, menos. Já é algo muito mais tranquilo, mas sofri por bastante tempo. Até porque na minha cabeça eu acertei a bola mais difícil, que não é o meu ponto forte, e errei a bola que eu não erro [Renato marcou, mas os belgas venceram por 2 a 1 e avançaram às semifinais]. Isso, confesso, me consumiu durante muito tempo. Para ser sincero, até hoje não vi o jogo. Vi o lance, claro, mas o jogo nem quero ver, passou. Ficou uma cicatriz.

P. – Naquela Copa você esteve com o Neymar, atuou com ele também nas Olimpíadas de 2016. Como vê as críticas, as pressões em cima dele?

RA – Eu não vi a série [“Neymar, o Caos Perfeito”, da Netflix], mas eu acho que, de uma forma geral, está tudo ficando muito pesado. Na internet, as pessoas acabam chegando até você de maneira muito agressiva. Eu falo que esse moleque tem uma cabeça incrível porque ele apanha todos os dias. E, ao mesmo tempo em que está num pedestal, vira um nada rapidamente. Vive numa gangorra muito grande, de carregar muita coisa.

Eu acho muito agressivo, muito excessivo, tudo o que fazem com o Neymar. No lugar dele, talvez não teria aguentado muita coisa que já aguentou. Eu o admiro muito pela força e pela pessoa que é. Felizmente, tive o prazer de ter jogado com ele, criado uma amizade. Isso é algo que vou contar para os meus netos: joguei com o Neymar. Torço muito por ele. Infelizmente, às vezes, não tratamos por aqui o ídolo da forma como outros lugares tratam. Pode chegar uma hora em que ele não vai mais aguentar, é um ser humano também. Nós não suportamos tudo.

P. – A pressão é sempre forte também nos treinadores. Você, que se destaca pelo entendimento tático, pensa em se tornar um?

RA – Eu gosto muito da parte do jogo, de entender por que aconteceu aquele gol, quem poderia ter feito o quê. Gosto da parte tática, mas não quer dizer que vou ser treinador. Eu percebi que não existe uma receita de bolo. Peguei muitos treinadores, de muitas nacionalidades. Existe a forma como pensa e conseguir implementar no grupo. O que mais vale é conseguir passar o que você pensa aos atletas. Acho que hoje eu não sei como fazer isso, não sei como conseguiria passar o que penso. Montar tudo não é tão fácil quanto parece. Precisaria estudar bastante, pensar bastante. É uma possibilidade, sim, que me encanta.

​Você parece sempre falar com franqueza. É possível fazer isso na parte política, externar sua opinião? Você fala suas preferências? Hoje, existem muitos formadores de opinião. Eu só acho que não sou um cara pronto para formar alguma opinião política. Não me vejo capacitado para tal. Então, não posso usar o meu alcance para falar o que eu acho e, daqui a um ano, achar outra coisa. As pessoas falam e não estão nem aí até onde isso vai chegar.

Não estamos conversando num bar entre amigos. Não me vejo com capacidade para formar opinião sobre outras coisas. Vamos falar sobre futebol, mais do que isso não sei se é justo com a pessoa que me segue. Mas respeito quem faz, cada um sabe o que pensa, o que acha melhor. É um fardo muito pesado você influenciar alguém. Tem que tomar cuidado com a agressividade nas redes sociais, tudo vira uma briga. Eu, particularmente, não gosto muito de expor quando não me sinto capacitado ao nível máximo. Eu amo basquete, vejo NBA, mas não me sinto capacitado para comentar sobre tática, por exemplo.

Por Klaus Richmond