Abertura das Olimpíadas de Inverno busca projetar uma China moderna
Local é o mesmo que recebeu a cerimônia dos Jogos de Verão de 2008, tida como a mais impressionante da história
Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim-2022 foram abertos nesta sexta-feira (4/2) durante uma cerimônia aguardada, como sempre, pelos seus aspectos artísticos e tecnológicos. Mas desta vez a expectativa era maior especialmente pelo caráter simbólico do evento em um momento de alta tensão na política global.
O pontapé inicial para a inauguração foi dado após o cumprimento entre o líder chinês, Xi Jinping, e o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, no estádio Ninho do Pássaro.
O local é o mesmo que recebeu a cerimônia dos Jogos de Verão de 2008, tida por muitos como a mais impressionante da história, mas o contexto que envolve a China e o mundo 14 anos depois mudou bastante.
O diretor de cinema Zhang Ymou, responsável pela inauguração anterior num momento de consolidação do processo de abertura chinesa para o mundo, voltou ao papel com uma proposta adaptada para a atualidade.
“Desta vez, mostraremos menos sobre a cultura antiga”, disse Zhang em mensagem divulgada pela mídia estatal chinesa antes do evento. “Vamos transmitir uma sensação de modernidade, que está olhando para a frente. Esta é uma nova era.”
Estes novos tempos têm a China como segunda maior economia do mundo e projetando sua influência de forma inédita para países asiáticos, africanos, latino-americanos e até europeus. Ao mesmo tempo, é uma nação mais autocentrada, desafiadora, criticada por violações de direitos humanos e fechada para o mundo desde o início da pandemia da Covid-19.
“Nesta nova e complexa situação global, os Jogos Olímpicos de Inverno mostrarão a confiança e o orgulho do povo chinês, o amor do povo chinês, a afeição dos chineses pelos povos do mundo”, disse Ymou à agência de notícias estatal Xinhua.
Esvaziada de líderes internacionais por causa do boicote diplomático aos Jogos liderado pelos EUA e também em razão da pandemia, a cerimônia teve como principal convidado político o presidente russo, Vladimir Putin.
Antes de irem ao Ninho do Pássaro, Putin e Xi Jinping formalizaram uma aliança contra políticas ocidentais, principalmente as norte-americanas e declaram uma amizade “sem limites”. Atualmente, a Rússia e a Otan (aliança militar ocidental) estão no centro de uma grave crise de segurança no leste europeu.
Horas mais tarde, o líder chinês declarou aberto o evento que tem como seu lema oficial “Juntos por um futuro compartilhado”.
Thomas Bach invocou o espírito olímpico para passar uma mensagem padrão, mas que pode ganhar outras leituras atualmente. “Em nosso mundo frágil, onde a divisão, o conflito e a desconfiança aumentam, mostramos ao mundo: sim, é possível ser rivais ferozes e, ao mesmo tempo, viver juntos em paz e respeito.”
O momento festivo da entrada dos atletas de 91 países ocupou a maior parte das 2h20 da cerimônia, reduzida em tamanho e duração por causa da pandemia, porém mais longa do que a 1h40 inicialmente prevista.
Se não houve presença de líderes políticos dos EUA, os atletas do país entraram em bom número (a previsão era que 80% da delegação estivesse presente). Já o Brasil optou por levar o mínimo necessário, assim como fez nos Jogos de Tóquio, por preocupações sanitárias.
Edson Bindilatti, 42, do bobsled, e Jaqueline Mourão, 46, do esqiu, ambos em sua quinta participação nas Olimpíadas de Inverno, levaram a bandeira brasileira.
Menos espetaculosa do que a cerimônia de 2008, a de 2022 apostou em uma estética mais simples, mas teve seus belos momentos.
O fio condutor do segmento artístico, com a participação de 3.000 pessoas, foi a representação de flocos de neve. Cada país teve seu nome inscrito em um deles durante a entrada das delegações. Depois, os 91 flocos foram reunidos em um grande floco, onde mais tarde uma pira olímpica minimalista foi acesa.
Na parte inicial, o palco, composto por 11.600 metros quadrados de telas de LED de alta definição, simulou um cubo de gelo. Lasers esculpiram imagens de cada um dos 23 Jogos de Inverno anteriores antes de o bloco ser “quebrado” por jogadores de hóqueis e os anéis olímpicos surgirem em branco.
O início do evento esportivo ocorre em meio às celebrações do Ano-Novo chinês e também no primeiro dia da primavera pelo calendário lunar. Mas a festa que começou com temperatura de -4º Celsius foi marcada pelo uso de roupas pesadas dos atletas e do público.
Apesar de não haver venda de ingressos por causa da pandemia, um bom número de espectadores convidados pôde comparecer ao Ninho do Pássaro. Entre eles esteve uma brasileira que mora na China e contou sua experiência ao jornal Folha de S.Paulo.
De acordo com ela, que pediu para que seu nome não fosse divulgado, as preparações começaram uma semana antes do evento, com o monitoramento de saúde. Um integrante do comitê organizador era o responsável por grupos de 10 a 20 pessoas que precisavam enviar suas informações pessoais.
Foram necessários dois exames negativos de Covid-19 para ir ao estádio, e outros dois serão feitos nos próximos dias. As recomendações eram que os espectadores se agasalhassem com pelo menos três camadas de roupas e usassem saquinhos aquecidos por baixo delas.
Na chegada ao estádio, havia quatro pontos de controle, todos com reconhecimento facial. Funcionários conduziram treinamentos com indicações dos momentos de aplausos, e kits com cobertor, gorro, luvas e chocolate foram distribuídos.
Passada uma fase conturbada de preparação para os Jogos, a China agora poderá focar as duas semanas de intensa programação esportiva. Mas já está claro que, em meio às medalhas, este será um evento indissociável da política global.
Daniel E. de Castro