Pandemia fez Fernando Scheffer nadar em açude antes de bronze nas Olimpíadas
A medalha de bronze nas Olimpíadas de Tóquio o coloca entre os melhores
ALEX SABINO
TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – A mão direita de Fernando Scheffer tremia enquanto segurava o ramalhete de flores que recebeu no pódio, a medalha de bronze e a bandeira do Brasil. Poderia ser o frio de quem acabou de sair da piscina, apesar do verão japonês.
Poderia ser a emoção daquele que acredita não ter vencido apenas pelo talento. Foi também pelo esforço.
“Desde pequeno, eu nunca fui o nadador mais rápido, nunca fui o mais resistente, nunca fui o mais versátil. Mas eu sempre pensei em ser o mais esforçado. Se eu via o cara do lado dando quatro golfinhadas [os movimentos debaixo da água antes de começarem as braçadas], queria fazer cinco. Levo essa mentalidade até hoje”, afirma o gaúcho.
A análise dele contém certo exagero. A medalha de bronze nos 200 m livre nas Olimpíadas de Tóquio o coloca entre os melhores. Na prova, apenas os britânicos Tom Dean e Duncan Scott, ouro e prata, respectivamente, foram mais velozes. Mas a parte de ser esforçado, é verdade.
Faz-se preciso muita vontade para ser um nadador de ponta e aceitar ir treinar em um açude de 60 metros apenas para poder ter contato com água. Ele e outros quatro amigos alugaram um sítio que tinha o espaço, usado pelo grupo para montar um programa de treinamento de dez dias. Ali aconteceu parte da preparação de Fernando Scheffer antes de se tornar medalhista no Japão.
Antes disso, sua única alternativa era usar uma piscina de condomínio de 15 metros (a medida olímpica é 50 metros). Ou alugar pesos e bicicleta de spinning para exercícios em casa.
“Tudo isso me deixou cascudo para saber que a gente é capaz de muita coisa. A gente percebe que é muito melhor do que pensamos. Acreditar é uma coisa que a gente tem um pouco de dificuldade [de fazer] às vezes e é o principal”, completa.
Ele sempre acreditou. Ainda no Brasil, dizia ser possível a medalha porque a prova dos 200 m livre não tinha favoritos. Chegou na Vila Olímpica e notou o clima leve entre os atletas da natação, com brincadeiras. Escutou ser bem diferente da Rio-2016, quando a pressão de competir em casa fez a equipe não conquistar nenhuma medalha.
Era o que Fernando Scheffer queria porque planejava fugir da pressão. Repetia para si mesmo que, na hora da prova, tinha apenas de fazer o que treinou nos últimos cinco anos. Fosse em uma piscina oficial, de condomínio ou no açude.
Aos 23 anos, ele enfim deixou de ser o garoto que, quando ia preencher alguma ficha ou era perguntado sobre o seu nome, ouvia “nossa, você tem nome de nadador!”, por causa da semelhança fonética com Fernando Scherer (o Xuxa), bronze nos 50 m em Atlanta-1996 e no revezamento 4×100 m livre em Sydney-2000.
Quando ouvia a exclamação, sempre respondia: “É, eu também sou nadador”.
Agora ele é Fernando Scheffer, um dos 14 medalhistas olímpicos da natação brasileira.
“Eu acho que o esporte é muito mais do que resultado, do que medalha. É o legado que a gente deixa. É importante conquistar essa medalha para mostrar que o caminho existe. Não é porque a gente é brasileiro que não pode subir ao pódio. Do mesmo jeito que Fernando Scherer inspirou as pessoas, espero que o Fernando Scheffer também possa inspirar”, almeja.
O atleta brasileiro, que volta ao Centro Aquático de Tóquio na manhã desta terça-feira (27) para as eliminatórias do 4×200 m, se divertiu ao ver o vídeo da reação na casa de sua família, em Canoas, e o clima de Copa do Mundo.
Diversão é outra palavra que se encaixa bem em tudo o que tentou fazer nestas Olimpíadas. Chegou à conclusão que se fosse algo obrigado, complicado, poderia não dar certo. Porque mesmo um esforço descomunal como nadar 200 metros para definir um ciclo de cinco anos, deve ter leveza.
“Só queria criar esse ambiente de estar feliz aqui e curtindo. Todo mundo aqui ama natação, ama nadar e a gente não pode transformar isso em uma coisa densa. Tem de chegar em uma final olímpica e estar feliz. Eu me diverti muito. Foi muito bom competir nessa final”, finaliza, ainda com a mão direita tremendo e sem largar a medalha e a bandeira.