Kristen Stewart mostra em ‘Spencer’ como conto de fadas de Diana virou tragédia
História da princesa de Gales chega agora ao Brasil e mostra Lady Di sucumbindo à tragédia no período de três dias
Os cabelos loiros ao vento, contrastando com as cores fortes de um terninho de grife acomodado num conversível, fazem Diana parecer como uma mulher livre e despreocupada. Mas, dentro da princesa, a aflição e o sufocamento escalam conforme o veículo se aproxima de Sandringham House, onde a família real está reunida para as festas de fim de ano.
“Spencer”, nova obra de ficção a se debruçar sobre a história da princesa de Gales, chega agora ao Brasil e mostra Lady Di sucumbindo à tragédia no curto período de três dias, cruciais para seu futuro dentro da monarquia britânica e para seu casamento já bastante desgastado com o príncipe Charles.
Mais precisamente, se passa em 1991, um ano antes de o casal real se separar. O clima provavelmente é o mesmo daquele que inebriou o encontro, que de fato aconteceu, mas os diálogos e situações que se desenrolam entre as opulentas portas do palácio são imaginados, dado o histórico reservado da família real.
Havia, portanto, um limite de até onde biografias e documentários poderiam guiar Steven Knight, o roteirista, Pablo Larraín, o diretor, e Juan de Dios Larraín, irmão do último e produtor de “Spencer”.
“Esse é um momento decisivo na história da Diana, porque é quando ela toma uma decisão muito difícil -de deixar para trás um lugar, uma família, uma história, uma tradição. Então o filme imagina como ela toma essa decisão, como ganha a coragem necessária para isso”, explica Juan de Dios, que ao lado de Pablo também levou às telas o oscarizado “Uma Mulher Fantástica”, por meio da produtora chilena Fabula.
“É uma interpretação nossa de como as coisas podem ter se desenrolado naquele momento. É uma ideia abstrata, um estudo de personagem. Quem realmente sabe o que se passou na cabeça de Diana?”
Esse exercício é parecido com o que a dupla fez em “Jackie”, longa que narrou os dias subsequentes ao assassinato do presidente John F. Kennedy pela perspectiva da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy.
Como naquela vez, em que Natalie Portman foi ovacionada por seu trabalho no filme, agora “Spencer” gera burburinho graças àquela que ficou encarregada de ressuscitar outro grande ícone feminino do século passado, Kristen Stewart. Sua versão para Diana deve assegurar uma vaga na disputa pelo Oscar de melhor atriz, após ela embarcar numa montanha-russa de emoções em cena, a fim de mostrar toda a fragilidade, mas também toda a força da princesa do povo.
Logo nos minutos iniciais de “Spencer”, percebemos que não será fácil para a protagonista atravessar o período de celebrações natalinas. Assim que seu conversível chega a Sandringham, sons de jazz sequestram a trilha sonora lírica e comportada que a guiava até então, denunciando que a história está mais para um suspense do que para um conto de fadas.
A partir do momento em que Diana põe os pés no palácio, tudo o que ela faz parece engrossar uma longa lista de erros que balançam a imagem de uma família que precisa parecer sempre perfeita -mas que, notamos, tem sua própria coleção de problemas mundanos, mesmo que embalados em cetim e adornados por joias.
“A Kristen [Stewart] é uma atriz de muita coragem, porque tomar a decisão de interpretar um ícone como Diana envolve muitos riscos. Mas ela se conectou ao espírito da personagem desde a primeira vez que leu o roteiro. Ela foi a escolha perfeita para o papel”, diz Juan de Dios.
Não deixa de ser curioso o fato de Stewart ser americana, num filme dirigido e produzido por irmãos chilenos, gravado na Alemanha, mas que fala sobre um ícone tão indissociável da cultura britânica.
Em “Spencer”, Diana é repreendida pelos atrasos, por não usar os vestidos designados para cada dia da viagem, por não fechar as cortinas de seu quarto, por não controlar a raiva pela óbvia traição do marido com Camilla Parker Bowles, por “não ser capaz de fazer coisas que odeia”, como diz Charles numa das cenas.
As advertências e o excesso de controle a mergulham cada vez mais na depressão e na bulimia -e também na leitura de um livro sobre Ana Bolena, que sofreu nas mãos da família real séculos antes dela e que teve um destino, a decapitação, que poderia muito bem ser o de Diana se ainda estivéssemos na primitiva era Tudor.
Bolena logo sai das páginas e faz Diana perder a cabeça, tendo alucinações e sentindo que é perseguida pela ex-mulher do rei Henrique 8º. Quando não é assombrada por ela, são as lentes dos fotógrafos que a assustam -mas nenhum deles parece de fato estar lá.
Onipresente, a figura fantasmagórica soa como um bom artifício para distanciar “Spencer” de tantas outras obras sobre Diana, morta há quase 25 anos, mas ainda hoje exaustivamente retratada em artigos, livros, documentários e tramas de ficção -só no ano passado ela esteve no centro de “The Crown” e de “Diana: O Musical”.
“Essa popularidade é um mistério para mim. Eu tenho uma filha de 12 anos que sabe exatamente quem foi a princesa Diana e o que aconteceu com ela. Eu entendo o porquê do fascínio para as pessoas da minha geração, que a viram viva e se sentiam conectados a ela, mas não sei dizer o porquê de isso acontecer com as novas gerações”, afirma o produtor.
“Nós estamos falando de uma princesa de verdade, mas que era como todo mundo. Não há alguém assim para admirarmos hoje. Ela também foi um ícone da moda, e aí você mistura isso com o interesse pela família real e até mesmo política e ela acaba virando uma figura atemporal”, arrisca ele.
Esse lado glamoroso, dos figurinos icônicos, também está presente em “Spencer”, que escalou a estilista oscarizada Jacqueline Durran, de “Anna Karenina” e “A Bela e a Fera”, para recriar os modelitos usados por Diana -não necessariamente no ano em que o filme se passa. Estão lá o sobretudo vermelho que ela vestiu na missa de Natal de 1993, por exemplo, e, numa sequência fantasiosa, o memorável vestido de noiva com sua branquíssima e quilométrica cauda.
Depois de “Jackie” e “Spencer”, os irmãos Larraín se preparam para encerrar sua trilogia de filmes sobre “mulheres de salto”, como a descrevem. A próxima personagem a ser enquadrada pela câmera de Pablo ainda não foi definida, mas o cineasta vem afirmando que esta será sua última cinebiografia por um bom tempo.
Questionado sobre o porquê de os irmãos se voltarem com tanta frequência para personagens femininas que atravessam situações desnorteantes, como também foi o caso de “Uma Mulher Fantástica”, Juan de Dios diz não ter muita certeza.
“É uma boa pergunta. Eu acho que talvez porque seja interessante ver homens retratando mulheres e vice-versa, cria um certo equilíbrio. Mas eu não tenho uma resposta concreta, é muito difícil entender o porquê de gostarmos de certas coisas mais do que de outras.”
Por Leonardo Sanchez