HBO Max entra na onda de novelas para o streaming e terá Camila Pitanga vilã
Batizado de telessérie, ele é cria de uma disputa entre a linguagem da TV tradicional e as revoluções trazidas
Certo dia, enquanto andava pela rua, Raphael Montes percebeu a quantidade gigantesca de clínicas de estética em seu caminho. Quando pegou o celular, se deparou com o narcisismo inerente às redes sociais. E nas rodas de conversa, passou a notar que muita gente do seu convívio estava passando por procedimentos como harmonizações faciais e lipoaspirações. Foi então que teve a ideia para seu novo projeto, “Segundas Intenções”.
A epifania sobre o quão imersa nossa sociedade está na indústria da beleza, no entanto, não originou um livro, como os sucessos “Suicidas” e “Dias Normais”, que lhe deram fama –acabou sendo transformada em roteiro e agora deve inaugurar um novo formato que mistura novela e série na HBO Max.
Batizado de telessérie, ele é cria de uma disputa entre a linguagem da TV tradicional e as revoluções trazidas com o sob demanda, que nos últimos anos tem provocado debates sobre o futuro do audiovisual especialmente no Brasil, onde as novelas, tão clássicas e particulares, estão arraigadas na cultura local.
“Existe uma mudança na maneira de o público consumir conteúdo, e isso por mil questões, não só pelo streaming. Mas ao mesmo tempo existem estudos que apontam para uma volta do melodrama. As últimas grandes séries de sucesso no mundo bebem do melodrama, tratam de questões de amor, dinheiro e morte”, diz Montes, que tem “Succession” e “Euphoria” como referências em sua carreira recém-iniciada de roteirista.
“Para o público da América Latina, a telessérie é o meio do caminho ideal, porque traz os conflitos dos folhetins e, ao mesmo tempo, uma certa agilidade. É um formato que pode ser a resposta para o futuro da teledramaturgia no Brasil. Muito se fala sobre o fim das novelas, mas eu prefiro pensar que elas vão mudar, não acabar.”
Seu mentor no projeto concorda. “As telesséries são um passo adiante no entretenimento, porque conjugam a emoção da novela com a razão das séries em diversos gêneros”, afirma Silvio de Abreu, showrunner de “Segundas Intenções”. Ele supervisiona outros projetos semelhantes na HBO Max -que do melodrama partirá ainda para o policial, a comédia e o épico-, meses depois de deixar um contrato de quatro décadas com a Globo, onde foi chefe de dramaturgia.
“Eu não acredito que o streaming vá matar a TV aberta, da mesma forma que nunca acreditei que a televisão mataria o cinema. São divertimentos diferentes e sempre existirão, mas é verdade que, na disputa da preferência popular, cada nova modalidade ganha um pouco do favoritismo da outra”, afirma. “O que queremos é ser apenas uma boa opção para o público cansado da TV tradicional.”
Além de Silvio de Abreu, a HBO Max capturou outro nome de peso que participou do recente êxodo de atores, executivos e mentes criativas que deixaram os contratos fixos com a Globo -Camila Pitanga. Ela será a protagonista, que no caso também é vilã, de “Segundas Intenções”.
Na trama, a atriz dará vida a Lola, uma mulher bonita e ambiciosa que sonha em ter sua própria clínica de estética. Ela então se envolve com um playboy que é herdeiro de uma poderosa família de cirurgiões plásticos e, ao ser confrontada por seu marido, decide matá-lo. Rocambolesca, a história ainda vai mostrar como a personagem convence sua empregada a assumir a autoria do crime.
Novos nomes do elenco devem ser anunciados em breve e as gravações dos cerca de 50 episódios estão marcadas para começar no segundo semestre. Provando a sinergia entre TV e streaming da qual “Segundas Intenções” deriva, uma atriz novata será escolhida para o projeto numa competição transmitida dentro do programa Faustão na Band.
A combinação entre Montes e Abreu ilustra bem a motivação por trás dessas telesséries. O primeiro, aos 30 anos, tem imensa popularidade entre os leitores jovens -fatia de público que nem Larissa Manoela tem conseguido atrair para as novelas- e escreveu a série de sucesso “Bom Dia, Verônica” para a Netflix. O segundo, aos 79, é um dos pais do estilo folhetinesco que conhecemos e grande conhecedor do público brasileiro.
“A visão jovem que ele traz para o projeto me encanta e a minha experiência permite que ousemos sem medo de errar”, diz Abreu sobre a parceria.
Mas a HBO Max não é a única a enxergar tanto esgotamento, quanto potencial nas novelas. A Netflix já anunciou que está trabalhando em projetos folhetinescos no Brasil, enquanto a Globo criou uma versão de “Verdades Secretas 2” para a televisão e outra para o Globoplay. O serviço também trabalha com João Emanuel Carneiro numa outra novela exclusiva para o streaming.
Nessa simbiose, “Segundas Intenções” deve preservar elementos importantes como o já citado melodrama, o número grande de capítulos, os ganchos, as viradas surpreendentes e a trilha sonora romântica. Já das séries, vai incorporar os personagens menos maniqueístas e mais aprofundados, um único núcleo principal e a agilidade da narrativa.
Também terá maior liberdade na hora de tratar de alguns temas, abordando, por exemplo, a violência e a sensualidade de maneira menos pudica.
Os dois temas serão onipresentes na telessérie, que tem uma história movimentada pela vingança. É prova de que Montes não renegou as raízes policialescas de seus livros. Em paralelo a “Segundas Intenções”, ele trabalha ainda na segunda temporada de “Bom Dia, Verônica” e num projeto para o Disney+, o que não o atrapalhou na hora de assinar um contrato de primeira mão, de três anos, com a HBO Max. Novas séries virão em breve, mas novos livros também estão nos planos, diz ele.
Por Leonardo Sanchez