‘Essa bunda tem muito para falar’, afirma Pocah, que prepara primeiro álbum
Cada vez mais dona da própria carreira, a cantora prepara seu primeiro álbum para este ano e lançou recentemente a música "Muito Prazer"
Pocah, 26, está bem acordada. Cada vez mais dona da própria carreira, a cantora prepara seu primeiro álbum para este ano e lançou recentemente a música “Muito Prazer”, o primeiro single do novo trabalho. Em paralelo, tem usado cada oportunidade que tem para se posicionar, algo que nem todos os famosos estão dispostos a fazer em um momento de intensa polarização no país.
Foi assim quando o clipe da nova canção foi censurado pelo YouTube, no dia do lançamento. O vídeo, que tem cenas sensuais, mas nada fora do padrão do pop atual, teve seu alcance limitado pela plataforma. A cantora apontou a ironia que é isso acontecer justamente com o clipe de uma música sobre a liberdade da mulher.
“Tem bunda? Tem”, diz a cantora ao jornal Folha de S.Paulo. “Mas essa bunda tem muito para falar. Ouço muitos relatos de que a minha música faz diferença na vida de algumas pessoas. ‘Muito Prazer’ é um grito de liberdade, é para discutir por que a mulher não pode falar sobre sexo.”
“Sexo é algo natural e deveria ser tratado assim”, afirma. “Acho que investir em educação sexual preveniria muita coisa, desde doenças até abusos infantis. É um problema porque, hoje em dia, não se aprende em casa, se aprende com o mundo, infelizmente.”
Pocah considera que a música pode ser realmente didática para muitos homens, que às vezes vão com muita sede ao pote. “Não sei se isso é fruto da indústria pornográfica, que coloca na cabeça de muitas pessoas que sexo tem que ser sempre uma parada ‘hardcore'”, diz. “Tem gente que gosta e tem momentos em que é bom, mas tem outro lado que pouca gente explora, da calmaria, de deixar as coisas irem acontecendo.”
O clipe, que aposta numa paleta de cores discreta, é classificado pela cantora como “sóbrio”. “Eu busquei referências na Beyoncé, seguimos essa linha mais ‘clean’ no figurino e na maquiagem”, explica. “Eu gosto de participar de tudo porque, como é o meu trabalho, acho que tem que ter o meu ponto de vista.”
As cenas que podem ser consideradas mais ousadas são quando a cantora e um grupo de bailarinas dançam debaixo da chuva vestindo apenas calcinha e camiseta branca. Para a gravação, em um dia em que fazia 6ºC em São Paulo, uma caixa d’água foi aquecida para que ficasse suportável. “Virei um uísque puro e fui”, brinca Pocah.
A cantora afirma que a letra, embora seja sobre sexo oral (“Gostou do que eu faço com a raba? Imagina o que eu faço com a boca”), fala mais que isso. “O que eu faço com a minha boca também é cantar para inspirar muitas mulheres a serem livres”, afirma.
Pocah diz que já se sentiu silenciada, seja na cama ou fora dela, e por isso precisa passar sua mensagem adiante. “Para muitas mulheres, a realidade ainda é essa. Eu já vivi essa realidade, então tenho experiência e local de fala. Já fui uma mulher que não se sentia bonita. Não me sentia poderosa, não imaginava que eu pudesse ser o que eu sou hoje.”
Então a Pocah já teve problemas de autoestima? Não só teve como apenas neste ano conseguiu se sentir plena ao natural. Até pouco tempo atrás ela usava lentes de contato claras e tinha como marca registrada os cílios postiços longuíssimos.
“Passei a usar esses acessórios quando comecei a cantar”, lembra. “Eu tinha 16 anos e, na época, a moda eram as mulheres-fruta, todas siliconadas e maravilhosas. Cheguei eu, menina, no meio daqueles mulherões. Aí me colocaram para malhar, porque tinha que pegar corpo, botei silicone… Eu sofria muita pressão para virar mulher logo, tinha que aparentar ser mais velha.”
“Também diziam que eu era muito masculina, porque usava tênis e boné, não me encaixava no padrão de funkeira”, conta. “Passei a usar essas coisas para passar uma imagem mais feminina, achava que aquilo me fazia mais mulher.”
O problema, ela diz, é que isso se tornou uma muleta. “Quando eu tirava a lente, eu me odiava. É uma palavra muito pesada, ódio, mas eu não conseguia me olhar no espelho e me sentir bonita. Tinha que acordar, lavar o rosto, escovar os dentes e colocar a lente.”
Foi a participação na edição mais recente do Big Brother Brasil (Globo) que a ajudou a perceber que não precisava de nada daquilo. “Fiquei longe da família e do trabalho, mas também da progressiva, do alongamento de cílios, tive que parar de usar a lente porque começou a irritar o meu olho…”, relata.
Ela percebeu que todo o Brasil já a estava vendo como era e, ao contrário do que ela esperava, a reação foi positiva. “Posso voltar a usar esses adereços algum dia, mas na hora que eu quiser. Não sou mais obrigada a usar nada para me sentir bonita.”
Em 11 anos de carreira, Pocah diz que viu o funk mudar de status, embora acredite que o gênero ainda sofra preconceito. “Quando falei que ia cantar funk, muita gente falou que eu estava louca, pirada”, conta. “Mandavam eu ir estudar. Tem que estudar mesmo, até para ser funkeira tem que estudar. Mas música dá dinheiro para caramba.”
“Eu conheço muita gente que teve a vida transformada pelo funk, então não vem falar que não é música”, defende. “Eu sempre vou carregar esse movimento comigo, com muito orgulho, onde quer que eu vá, porque sou funkeira desde pequenininha.”
A cantora também tem se posicionado firmemente sobre violência doméstica, algo de que revelou já ter sido vítima. Ela inlcusive mandou uma mensagem pública de apoio a Pamella Holanda, que divulgou vídeos nos quais é agredida fisicamente pelo então marido, o DJ Ivis.
“Foi muito forte para mim, como mulher, assistir àquilo”, comenta. “Passou um filme na minha mente na hora. E eu achei que não podia me calar naquele momento. Como mulher, como artista, com a voz que eu tenho, acho inadmissível não me posicionar.”
“Eu pus o meu relato na internet, tirando forças de dentro de mim, para poder ajudar e alertar outras mulheres. Vou continuar usando a minha voz”, diz. “Eu me posiciono diariamente, dentro da minha casa, no meu dia a dia, acho que esse é o meu propósito de vida. Não é sobre militância, é revolta mesmo. E isso é o que eu levo na minha música também.”
Por Vitor Moreno