Vacinação incentiva serviços, mas inflação é ameaça no semestre
A tentativa de retomada, entretanto, pode ser abalada por fatores como a escalada da inflação, apontam analistas
Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, a economia tende a ser favorecida no segundo semestre pelo setor de serviços, que sinaliza melhora depois de amargar prejuízos em série na pandemia. A tentativa de retomada, entretanto, pode ser abalada por fatores como a escalada da inflação, apontam analistas.
O aumento dos preços é considerado um dos principais riscos para os próximos meses, já que diminui o poder de consumo das famílias e aperta margens de lucro das empresas.
Em junho, o volume do setor de serviços cresceu 1,7% ante maio, informou o IBGE nessa quinta (12/8). Com o resultado, o segmento pegou a contramão de outros dois indicadores calculados pelo instituto: a produção industrial e as vendas do comércio varejista.
No mesmo período, a produção das fábricas ficou estagnada, com variação nula (0%). Já o comércio amargou queda de 1,7% em junho.
“O segundo semestre deve ter como destaque o setor de serviços. Deve ser o vetor do crescimento”, projeta a economista Marina Garrido, pesquisadora do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
“O maior risco agora é a inflação. Na pandemia, os preços subiram, mas serviços como restaurantes não conseguiram fazer o repasse.”
Ao subir 1,7% em junho, o volume de serviços ficou 2,4% acima do patamar pré-crise, de fevereiro de 2020. Conforme o IBGE, o segmento também alcançou o nível mais elevado desde maio de 2016.
O desempenho, no entanto, tem sido puxado por atividades ligadas à área de tecnologia e que dependem menos do contato direto com clientes, apontou Rodrigo Lobo, gerente da pesquisa do IBGE.
Lobo sublinhou que os serviços prestados às famílias, incluindo alimentação e alojamento, vêm melhorando com o avanço da imunização, mas ainda estão 22,8% abaixo do patamar pré-pandemia. Em junho, esse ramo teve alta de 8,1% em relação a maio.
“O setor de serviços é o motor da economia em vários países, inclusive no Brasil. Parece estar retomando. O avanço de 1,7% não é a última bolacha do pacote, mas é encorajador. A volta gradativa, com a vacinação, é positiva”, diz Alexandre Espirito Santo, economista da Órama Investimentos e professor do Ibmec-RJ.
Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco Austin Rating, também ressalta que a imunização vem gerando alívio para serviços que foram bastante afetados pelas restrições na pandemia. “A vacinação tem trazido resultados positivos, tanto é que a PMS [Pesquisa Mensal de Serviços] surpreendeu.”
Já a produção da indústria, diz Agostini, é freada pela escassez de insumos nas cadeias globais. Montadoras de veículos, por exemplo, paralisaram atividades no país devido à falta de chips. A normalização dos estoques na indústria deve ocorrer só em 2022, conforme o economista.
Na visão de Agostini, a inflação em alta pode ser considerada o principal desafio para a retomada econômica a “curtíssimo prazo”, já que atinge diretamente o bolso do consumidor. Nesse sentido, ele lembra que os preços em alta impactam o varejo, cujas vendas caíram 1,7% em junho.
A escalada da inflação nos últimos meses tem sido puxada pela energia elétrica, que ficou mais cara em razão da crise hídrica. A escassez de chuva derruba o nível de reservatórios de usinas hidrelétricas, forçando o acionamento de térmicas, que envolvem custos maiores. O reflexo é a conta de luz mais alta na casa dos consumidores e nas empresas.
A melhora de serviços pode até gerar pressão adicional para a inflação, segundo economistas. A dúvida é o tamanho do repasse para os preços finais no momento em que o setor tenta confirmar recuperação.
“O desemprego também atrapalha serviços, mas não tanto quanto o comércio. É que as pessoas que consomem mais serviços têm renda mais alta e não sofreram tanto na pandemia”, diz a economista Marina Garrido, do FGV Ibre.
Em relatório, o Banco Original afirmou que o desempenho de serviços “ajuda a explicar parte da perda de tração observada nos dados de varejo”. Segundo o banco, “o dinheiro que antes estava sendo canalizado exclusivamente para o consumo de bens (durante os meses de fechamento das atividades econômicas) agora volta a ser dividido com o consumo de serviços”.
“Olhando para a frente, continuamos esperando resultados sólidos do setor de serviços, que ainda deve se beneficiar do avanço da vacinação no país, do ganho de confiança dos agentes e da poupança circunstancial feita pelas famílias mais ricas durante a pandemia e que ainda parece longe de ter sido gasta em sua totalidade”, diz o relatório.
Por Leonardo Vieceli