Temor da inflação global interrompe recuperação da Bolsa
Pressão inflacionária mundial é resultado da retomada das atividades econômicas
Bolsa e câmbio encerraram a semana indicando aumento das preocupações de investidores com escalada da inflação e dos juros globais, percepção evidenciada nesta sexta-feira (3) com a reação do mercado financeiro à divulgação do relatório de geração de vagas de trabalho nos Estados Unidos.
O índice de referência da Bolsa de Valores do Brasil recuou 1,15% nesta sessão, fechando o dia em 111.102 pontos. O resultado consolidou uma baixa semanal de 0,75%, a primeira queda após três semanas consecutivas de ganhos.
A pressão inflacionária mundial é resultado da retomada das atividades econômicas enquanto a oferta de bens e matérias-primas ainda está prejudicada por interrupções no abastecimento provocadas pela pandemia. Situação que se agravou com a guerra na Ucrânia.
Desde o início da guerra, que nesta sexta chegou ao centésimo dia, o Ibovespa acumula perda de 0,44%.
Em movimento contrário ao do mercado de ações, o dólar comercial avançou 0,82% nesta semana depois de três baixas semanais.
Neste pregão, a divisa americana rondou a estabilidade antes de encerrar com ligeira queda diária de 0,16%, cotada a R$ 4,7780 na venda.
O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos revelou nesta sexta que a economia americana abriu 390 mil postos de trabalho no setor urbano em maio. Analistas ouvidos pela agência Reuters projetavam criação de 325 mil vagas.
Dados robustos sobre a abertura de postos de trabalho podem ser interpretados como sinais de que a política elevação dos juros americanos será mantida, favorecendo aplicações no Tesouro dos EUA.
Além de fortalecer o dólar frente a outras moedas, a alta dos juros tira o apetite de investidores para aplicações mais arriscadas, como é o caso dos mercados de ações.
Na Bolsa de Nova York, o índice de referência S&P 500 perdeu 1,63% nesta sessão. O índice Nasdaq, que concentra empresas que dependem mais da taxa de crédito barata para crescer, recuou 2,47%. O Dow Jones cedeu 1,05%.
“Os dados mais fortes do emprego elevaram os juros lá fora e a Bolsa americana começou a cair. A brasileira seguiu o mesmo caminho”, comentou Vitorio Galindo, analista de investimentos da Quantzed.
Na véspera, o relatório ADP National Employment Report (pesquisa nacional de emprego da consultoria ADP), considerado a prévia do indicador oficial do governo, indicava a abertura de 128 mil postos em maio, contra 202 mil em abril.
A desaceleração na criação de vagas no setor privado, porém, não se confirmou após a divulgação do relatório do governo.
Após novos dados demonstrarem força do mercado de trabalho, o mercado passou a ver mais indícios de que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) precisará manter em curso o seu aperto monetário para tentar frear a maior inflação no país em 40 anos.
A autoridade monetária vem promovendo a elevação gradual da taxa de juros dos EUA com o intuito de resfriar a atividade econômica e, com isso, interromper a escalada dos preços provocada pela restrição da oferta devido às interrupções no abastecimento durante a pandemia.
Além de tornar o crédito mais caro, o Fed encerrou um amplo programa de compras de ativos adotado durante a pandemia para estimular a economia nos períodos de maior restrição às atividades.
“Há um enorme temor sobre os efeitos na economia de uma retirada de estímulos que foram tão grandes”, comentou o economista Rodrigo Marcatti, presidente da Veedha Investimentos.
A relação entre alta do dólar e a queda das Bolsas diante da possibilidade de alta dos juros ocorre porque, com a melhora da remuneração da renda fixa nos EUA, investidores tendem a reforçar posições em ativos ligados à moeda americana, como os Títulos do Tesouro.
Esses dólares deixam de ir para investimentos em outros países, o que torna a divisa mais escassa e, consequentemente, mais valorizada.
O Fed aumentou a taxa de juros em 0,75 ponto percentual desde março. A expectativa é de alta de 0,5 ponto em cada uma de suas próximas reuniões, neste mês e em julho.
No final da tarde desta sexta, o preço do petróleo bruto avançava 2,47%, com o barril do Brent negociado a US$ 120,52 (R$ 576,96).
A matéria-prima permanece em alta mesmo depois dos principais países exportadores, liderados por Arábia Saudita e Rússia, terem anunciado na véspera decisão de aumentar a produção mais do que o previsto para conter a escalada de preços registrada desde o início da Guerra da Ucrânia.
Analistas da Ativa Research consideram que o aumento na produção diária, de 430 mil para 648 mil barris a partir de julho, é insuficiente para compensar a ausência do petróleo da Rússia, cuja exportação foi parcialmente bloqueada pela União Europeia.
No mercado de juros brasileiro, a taxa DI (Depósitos Interbancários) para janeiro de 2023 caminhava para fechar o dia com ligeira alta, a 13.440 pontos-base, após ter subido 30 pontos na véspera, passando de 13.405 para 13.435.
Negociada entre bancos, a taxa DI serve de referência para o setor de crédito no país.
A manutenção da alta da curva de juros de mercado de curto prazo revela que o setor aposta na continuidade da escalada da inflação e da alta da taxa oficial do Brasil.
Leandro De Checchi, analista de investimentos da Clear, disse que o mercado doméstico já começa a se preparar para dados inflacionários a serem revelados pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) na semana que vem.
Por Clayton Castelani