Risco Brasil sobe com ‘meteoro de gastos’ de Guedes

Cenário doméstico de tensões políticas tem refletido na Bolsa de Valores brasileira

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para permitir que o governo federal adie o pagamento dos precatórios (valores devidos por derrotas definitivas na Justiça) e a reformulação do Bolsa Família têm aumentado as incertezas sobre o cenário fiscal brasileiro e elevado a percepção de risco do Brasil para os investidores.

O risco-país, medido pelo CDS de cinco anos, acumula uma alta de 29% neste ano, após saltar 43,6% em 2020 com a pandemia de Covid-19. Desde que o ministro da Economia, Paulo Guedes, citou um “meteoro de gastos” ao falar sobre o pagamento dos precatórios, em 29 de julho, o indicador cresceu 6,6%, para 184,5 pontos.

O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias, especialmente as emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país. Se ele cai, o recado é o inverso: sinaliza aumento da confiança quanto à capacidade que o país tem de saldar suas dívidas.

“O risco-país tem subido, principalmente, pelo lado fiscal, que continua sendo uma preocupação. Tivemos a entrega de uma MP [medida provisória] sem valor definido e a questão [do pagamento] dos precatórios, que sem dúvida é um remanejamento do orçamento [do governo]. Já sinaliza que não vai existir uma folga orçamentária”, afirmou o analista da Clear Corretora, Rafael Ribeiro.

Nesta segunda-feira (9), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) entregou ao Congresso a MP que cria o Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família.
O texto, que foi entregue pessoalmente por Bolsonaro ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estabelece o formato do programa, seus objetivos e diretrizes, mas ainda não determinou os valores ou detalhes sobre as fontes orçamentárias.

Após ser questionado nesta manhã sobre qual o valor pago pelo novo programa, Bolsonaro afirmou que será pelo menos 50% maior que o atual (média atual aproximada de R$ 190).

A PEC dos precatórios também foi entregue ao Congresso nesta segunda, segundo a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, mas seu conteúdo não foi divulgado. A PEC visa adiar o pagamento dessas dívidas para, dentre outras coisas, poder viabilizar o novo Bolsa Família.

Segundo a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, a elevação do risco-país já está mais perceptível desde junho, quando Guedes entregou ao Congresso o projeto com a segunda fase da reforma tributária, com alterações no Imposto de Renda.

“A entrega desse texto, que deveria ter sido positiva, logo teve toda uma repercussão não somente nas contas públicas, mas sobre como essa tributação afetaria as pessoas jurídicas. Esse primeiro impacto já gerou uma impressão negativa [no mercado] e, a partir dali, tivemos uma alta na percepção de risco, que depois ainda se acentuou”, disse.

“Isso ainda veio atrelado aos desdobramentos da CPI da Covid-19. E a gente sabe que quando o cenário político não anda bem, a aprovação de reformas ou assuntos da agenda econômica não caminham no Congresso. Isso também contribuiu para a alta do CDS”, completou Abdelmalack.

Outros reflexos trazidos pela maior percepção de risco relacionada ao Brasil são a desvalorização do real ante o dólar e a elevação na curva de juros futuros.
O dólar encerrou a sessão desta segunda (9) em alta de 0,19%, cotado em R$ 5,2460. No ano até 9 de agosto, a moeda americana acumula valorização de 1,1% ante o real.

Já os juros futuros para cinco anos, que atualmente se encontram em uma projeção de 9,51% a.a. (ao ano), eram de 8,589% a.a. há um mês e de 6,05% a.a. no início do ano.
Ainda segundo os analistas, tanto o câmbio e os juros como a percepção de risco-país possuem outras influências além do cenário fiscal.

No âmbito doméstico, ainda pesam as tensões políticas. Nos últimos dias, Bolsonaro repetiu falas golpistas e falou na possibilidade de usar armas “fora das quatro linhas da Constituição”, enquanto sofreu uma derrota na defesa do retorno do voto impresso e foi incluído como um dos investigados no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal.

O presidente continuou a atacar ministros do STF e chegou a chamar Alexandre de Moraes de “ministro ditatorial” e disse que “a hora dele vai chegar”.
Na última quinta-feira (5), o presidente da corte, Luiz Fux, cancelou a reunião entre os chefes dos três Poderes que havia convocado e afirmou que Bolsonaro não cumpre a própria palavra.

“Os últimos acontecimentos com o maior atrito entre Bolsonaro e o STF, a discussão sobre o voto impresso e a realização ou não das eleições em 2022 têm mostrado uma dificuldade na articulação política, o que aumenta ainda mais o risco-país”, afirmou o especialista da Valor Investimentos, Davi Lelis.

No exterior, o avanço no número de casos da nova variante delta do coronavírus também tem refletido uma piora da percepção de risco a nível mundial.
“Esse aumento da busca por proteção e a preocupação em relação à variante é perceptível até no rendimento dos Treasuries [títulos do Tesouro americano], que reduziu bastante”, disse Abdelmalack.

Para a economista, a expectativa para o risco-país brasileiro daqui pra frente ainda depende de como o governo vai endereçar as questões políticas e fiscais ao longo deste e do próximo mês.
“Se não houver uma deterioração da imagem do governo e uma aprovação das reformas, além de uma sinalização clara de manutenção do teto de gastos, é possível reduzir essa percepção de risco. Mas tudo depende da credibilidade das contas públicas e de um ambiente político saudável”, completou.

O cenário doméstico de tensões políticas e fiscais também tem refletido na Bolsa de Valores brasileira, que tem se agarrado aos balanços corporativos para manter o bom desempenho.
Nesta segunda (9), depois de uma sessão bastante volátil, o Ibovespa, principal índice acionário do país, encerrou em alta de 0,17%, aos 123.019 pontos.

Texto: Isabela Bolzani

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